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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Em um avião, a 17 mil pés da tragédia líbia

"El País" voa em um Avião de Controle e Vigilância - AWACS - com que a Otan impõe a zona de exclusão aérea no conflito

Um E-3D Sentry AEW1 da RAF sendo escoltado por dois Panavia Tornado F3

As sonoras gargalhadas que explodem na cauda do avião da Royal Air Force britânica que impõe a zona de exclusão aérea sobre a Líbia surpreendem quem nesse momento lê sobre as devastadoras consequências do transtorno de estresse pós-traumático em soldados que sobreviveram a uma situação bélica limite. Nenhum sinal de estresse nesses militares bem-humorados.

"Não parece que haja muita tensão bélica aqui."

"A tensão está ali."

Ali é uma área próxima à metade da cabine onde se concentra toda a capacidade bélica deste AWACS (Avião de Controle e Vigilância Aérea, na sigla em inglês), uma aeronave inteligente cheia de sensores e sistemas de comunicação para controle aéreo, gestão do campo de batalha e apoio às forças aéreas, navais e terrestres. Ali, sobre uma dezena de telas, inclinam-se concentrados e com fones de ouvido outros tantos homens que recebem e analisam a miríade de informações que chegam por satélite, rádio e através desse singular radar em forma de disco voador que os AWACS têm plantado no topo.

Se por fora o AWACS é um Boeing 707 modificado, por dentro parece um escritório confinado em um tubo de 45 metros de comprimento. Nesse escritório sem janelas, e diante das longas horas de encerramento que o trabalho exige, há um espaço reservado para a descontração na cauda do aparelho, transformado em uma espécie de sala de estar com quitinete e serviço, aonde a tripulação vai conversar, tomar chá, comer sanduíches, aquecer alguma comida pronta ou dar umas risadas. Oito poltronas de avião e seis beliches pendurados nas laterais fazem de mobiliário.

Quatro jornalistas europeus, entre eles o enviado especial de "El País", ocupam assentos como convidados da Otan para participar de um fim de semana de imposição da zona de exclusão aérea sobre a Líbia. O voo decola às 13h00 de domingo, no que se apresenta como um dia menos ativo que o habitual. "Normalmente temos 20 ou 30 aviões a mais no ar do que hoje", comenta um dos tripulantes na área de descanso.

Transcorridas três horas de voo, o diretor tático da missão deixa seu lugar diante das telas e dá a novidade ao grupo: "Um navio de patrulha espanhol, o Juan de Borbón, está auxiliando um barco com cerca de cem refugiados que pediu socorro a noroeste de Trípoli, em águas internacionais".

A missão humanitária é seguida de diversas atualizações ao longo das quase dez horas da jornada deste AWACS, que sobrevoa o Mediterrâneo ao norte da Líbia, com detalhes que vão mudando e se enriquecendo a cada ocasião: "O destróier espanhol [na realidade, a fragata Juan de Borbón] dominou a situação". Já em terra e terminada a missão, o diretor tático resume: "Foi uma história de refugiados que fizemos, além de todo o trabalho previsto".

Do "trabalho previsto" não dá detalhes, porque um sigilo extremo permeia toda a missão do AWACS, um dos vários que perscrutam simultaneamente, às escondidas, 24 horas por dia, tudo o que acontece no campo de batalha norte-africano. A Otan emitiu na segunda-feira o relatório oficial dos alvos atacados no domingo na Líbia: três veículos armados perto de Brega; oito peças de artilharia, um carro de combate, oito veículos militares, três lançadores múltiplos de foguetes e uma instalação militar perto de Misrata; três radares e três lança-mísseis terra-ar perto de Trípoli; um radar e um armazém militar perto de Okba; três lançadores de foguetes múltiplos perto de Zlitan e um armazém militar perto de Al-Aziziyah.

O detalhe dos bombardeios dá ideia tanto da minuciosa seleção de alvos como de que cada vez resta menos a destruir "nesta guerra tão estranha", nas palavras de uma alta fonte europeia.

Estranha até o anedótico. A base de Trapani também é um aeroporto civil, e o AWACS tem de ceder passagem a um avião da Ryanair antes de tomar a pista rumo ao campo de ação líbio. A guerra tem de esperar que turistas alheios ao outro uso desse ensolarado aeroporto siciliano comecem suas férias.

Um número indeterminado de operações de ataque foi dirigido deste AWACS, mas os anfitriões britânicos não falaram sobre elas com os convidados. Apenas os deixaram aproximar-se rapidamente de suas posições, o suficiente para perceber nas telas os contornos da Sicília e da costa líbia.

Sentado em seu lugar, o diretor tático vê tudo o que acontece no ar e em terra em um raio de cerca de 500 quilômetros: aviões, barcos, qualquer objeto em terra que se mova a mais de 8 quilômetros por hora, devidamente identificados, rotulados e coloridos todos os pontos (vermelho para o inimigo; verde para o amigo; amarelo para neutro, que pode ser um avião civil). Conta com a ajuda dos dados recebidos por radar, satélites, aviões não tripulados ou a informação visual comunicada pelos caças-bombardeiros que patrulham a zona de exclusão aérea.

Só em combustível são consumidos por dia cerca de 1,1 milhão de litros na campanha líbia. Aproximadamente 80 mil litros foram abastecidos no último sábado por um avião britânico VC10, um posto de gasolina voador em cujo interior o odor de combustível impregna tudo. A cabine da aeronave veterana foi esvaziada para dar espaço a cinco grandes contêineres cilíndricos que durante seis horas de missão abasteceram diante das costas líbias dois F-18 canadenses, dois Harrier italianos e dois Mirage e dois Rafale franceses.

O reabastecimento é um balé delicado a 17 mil pés (pouco mais de 5 mil metros), que lembra um cortejo nupcial dos caças, aos pares, sobre o avião-tanque que, na escuridão da noite, precisa de mais de uma tentativa para conseguir o acasalamento. No horizonte, a cidade de Misrata, controlada pelos rebeldes, aparece como uma miniconstelação de pontos amarelos sobre um fundo preto, limitado por cima pela delgada faixa vermelha do sol que já caiu.

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