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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Mohamed ElBaradei, ex-diretor da AIEA: "Não podemos ficar sem a energia nuclear"

Diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de 1997 a 2009, Prêmio Nobel da Paz em 2005, Mohamed ElBaradei deverá falar em Paris, na quarta-feira (28), dentro de um colóquio sobre a energia organizado pela consultoria KPMG. Ele analisa para o “Le Monde” o futuro da energia nuclear após o acidente de Fukushima.
 
Mohamed El Baradei é ex-chefe da AIEA, Prêmio Nobel da Paz e líder pró-democracio no Egito
Le Monde: Que lições o senhor tirou do acidente de Fukushima?
Mohamed ElBaradei: Tirei duas. Será preciso melhorar a segurança dos 430 reatores em operação no mundo, pois éramos mais negligentes trinta anos atrás, e acelerar a introdução de novas tecnologias, que são bem mais seguras. Em alguns casos precisarão ser bruscos e não hesitar em fechar as usinas velhas, cuja segurança não pode ser melhorada. Eu sugiro começar a revisão por aquelas do tipo RBMK (como em Chernobyl), que não possuem fortificação de confinamento, e pelos reatores do tipo de Fukushima. É preciso também encontrar um meio de inspecionar os reatores militares.

Le Monde: A energia nuclear ainda tem um futuro?
ElBaradei: Não podemos ficar sem a energia nuclear. Ela já fornece 14% da eletricidade mundial. E serão 24% em 2050, segundo a Agência Internacional de Energia. Um bilhão e meio de seres humanos não têm acesso à energia elétrica. E sem isso, não há desenvolvimento.
 
Le Monde: No entanto, Fukushima irá frear seu desenvolvimento e aumentar seus custos?
ElBaradei: A energia nuclear certamente será mais cara, em razão do uso das novas tecnologias e do reforço da segurança, mas eu a não vejo desacelerando muito. Atualmente existem 65 reatores em construção em quinze países. Duvido que a China e a Índia abandonem seus projetos.
 
Le Monde: Diversos países, entretanto, abandonaram: a Alemanha, a Suíça, a Itália...
ElBaradei: Sim, mas veja por exemplo a Suécia, que havia planejado o fim do programa nuclear em 1980: ela tinha então doze reatores; hoje ela opera onze. O nuclear dá uma certa independência energética, como na França. Se você o abandona, dependerá do carvão, do petróleo e do gás, cujos preços vêm aumentando muito. E como, então, combater o aquecimento global?
A energia nuclear é parte da solução. As energias renováveis não conseguem garantir uma produção de base. Sejamos realistas: para os próximos cinquenta anos, precisaremos da energia nuclear. Países com grandes populações, como a Indonésia e o Vietnã, são candidatos. A Turquia acaba de confirmar projetos. E outros se juntarão à lista...
 
Le Monde: Que tipo de regulamentação seria desejável, e com base em que padrões?
ElBaradei: Os padrões da AIEA são um ponto de referência. E você pode somar a eles padrões nacionais complementares. As auditorias das usinas devem ser obrigatórias. Hoje elas não são, e é uma grande falha no sistema de segurança internacional. Se um país quer utilizar a energia nuclear, ele deve aceitá-las. Pois se um acidente ocorre, ele tem consequências mundiais.
Chegou a hora das auditorias realizadas por especialistas internacionais independentes. Depois de Chernobyl e de Fukushima, os países não podem mais se esconder atrás do argumento segundo o qual a segurança cabe à soberania nacional. Em nosso contexto de globalização, esse conceito de soberania mudou. Um exemplo: as pandemias, que um país não pode combater sozinho. Um país que tenha optado pela energia nuclear deve aceitar que seus vizinhos e o resto do mundo exijam que seus reatores sejam seguros.
 
Le Monde: Como incentivar os governos a irem por esse caminho?
ElBaradei: A pressão da opinião pública é importante, pois os governos são “animais” que se movem lentamente. É preciso que certos países lancem o movimento, aceitando auditorias obrigatórias efetuadas por peritos estrangeiros, em um contexto definido internacionalmente. Quanto mais numerosos eles forem, maior será a pressão sobre os países que não se submeterem ao protocolo. Além disso, é preciso buscar um compartilhamento internacional das avaliações. Nesse sentido, a criação de uma “força de ação rápida multinacional”, proposta por Nicolas Sarkozy é uma boa ideia.
 
Le Monde: A transparência lhe parece suficiente?
ElBaradei: Não! Os atores do programa nuclear, tanto os governos quanto as operadoras, devem ser mais transparentes, o que não faz parte de sua cultura. Essa fonte de energia deve ser alvo de um debate público. As pessoas têm o direito de ter explicações, mesmo que isso perturbe a abordagem elitista da indústria nuclear.

A transparência é a chave para que a opinião pública aceite a energia nuclear. Ela deve estar presente na segurança, mas também nos custos reais, desde a construção até o desmantelamento, se você quiser uma verdadeira concorrência no setor da energia. Essa falta de transparência foi notável no Japão.
É preciso também solucionar o problema do armazenamento dos resíduos não tratáveis. A meu ver, seria preciso dispor de dois ou três países para armazená-los, não mais do que isso. A Rússia poderia ser um deles. Essa atividade poderia ser muito rentável.
 
Le Monde: Que papel as autoridades nacionais de segurança devem exercer?
ElBaradei: Elas devem primeiramente ser independentes, como é o caso da França ou dos Estados Unidos, para poder dizer claramente em que momento um reator deve ser interrompido. É ainda mais importante pelo fato de que a duração da operação dos reatores tem sido prorrogada atualmente. A proximidade excessiva entre agências reguladoras e operadoras foi uma das fontes do problema em Fukushima.
 
Le Monde: O que pressupõe que essas reguladoras possuam meios...
ElBaradei: É verdade, é preciso lhes dar meios de verdade, sejam eles nacionais ou internacionais. A tecnologia nuclear é muito sofisticada e, portanto, complexa para monitorar. Infelizmente, os governos geralmente só reagem após sofrerem choques. Foi preciso ocorrer o desastre de Chernobyl para que fosse implementado um sistema mais  vigiado de segurança. Depois, o 11 de setembro para que se preocupassem com o risco de terrorismo. O orçamento da AIEA (cerca de 320 milhões de euros) para essas questões é ridículo. Seria preciso no mínimo dobrá-lo.

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