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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Pequeno Adolf e os assassinos neonazistas


Às 17h ainda fazia sol em Kassel, Alemanha. Mas ninguém viu fugir o pistoleiro que disparou no rosto de Halit Yozgat, um rapaz de 21 anos. Só um dos quatro clientes que usavam os computadores do cybercafé escutou um "ruído forte", ao qual não deu grande importância. Assim, coube a Ismail Yozgat encontrar o corpo de seu filho agonizando entre as cabines da loja da família. As testemunhas que a polícia conseguiu reunir lembravam-se da presença de outro cliente, com óculos, alto, louro e forte. Vestígios de DNA levaram à prisão de um homem que se revelou agente do Serviço Secreto, identificado como Andreas T. e conhecido em sua cidade pelo apelido de "Pequeno Adolf". Ele foi solto posteriormente por falta de provas.

Esse fato de 2006 voltou esta semana ao primeiro plano do noticiário, ao se saber que aquela efêmera detenção coincidiu com o final de uma brutal campanha terrorista: pelo menos dez assassinatos racistas, dois atentados a bomba e uma série de 14 assaltos a banco cometidos por um bando autodenominado Resistência Nacional Socialista (NSU, na sigla em alemão). O pior do passado da Alemanha voltou às manchetes.

O jovem Halit Yozgat, contra o qual dispararam à queima-roupa, foi a nona e última vítima da série de assassinatos xenófobos cometidos pelos nacional-socialistas, que um ano depois mataram uma agente de polícia. O silêncio pairava sobre essas mortes e seus autores até que, no último dia 4, os neonazistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos foram encontrados mortos em um trailer em chamas. Eles haviam acabado de atacar um banco. A promotoria afirma que se suicidaram, mas há sérias dúvidas. Algumas horas depois da descoberta dos cadáveres, a namorada de Mundlos, Beate Zschäpe, explodiu o apartamento que os três compartilhavam na idílica Zwickau (Saxônia). Ela se entregou à polícia dizendo: "Eu sou a que vocês procuram". O trio de neonazistas estava na clandestinidade desde 1998. As descobertas não terminaram aí: no trailer incendiado, foi encontrada a pistola da agente de polícia assassinada a tiros em 2007. E entre os escombros do apartamento explodido estava a arma que matou os nove imigrantes.

Na época, ninguém reivindicou esses crimes. Até que, algumas semanas atrás, o partido A Esquerda (Die Linke) recebeu um vídeo do bando: uma cínica montagem que mistura desenhos animados da Pantera Cor-de-Rosa com imagens reais dos nove assassinatos racistas e de outros dois atentados a bomba do mesmo tipo. São 15 minutos de humor grotesco, nos quais se mostram os cadáveres ensanguentados, com zombaria às vítimas. Chamam-no de "o giro alemão do NSU”. Só enviaram duas cópias, que chegaram a seu destino quando Mundlos e Böhnhardt já tinham morrido. Um dos envelopes era dirigido ao partido de esquerda PDS, que não existe desde que foi fundado o Die Linke em 2007. Outro exemplar chegou à caixa postal do jornal da Baviera "Nürnberger Nachrichten" em um envelope sem franquia: alguém o levou pessoalmente.

O balanço da campanha terrorista neonazista compreende nove homens mortos, oito de ascendência turca e um grego, entre 2000 e 2006; além de uma agente de polícia assassinada e dezenas de feridos em dois atentados a bomba. A Alemanha descobre agora que o trio de terroristas neonazistas viveu impunemente na clandestinidade por quase 14 anos, sem que ninguém os ligasse aos atentados nem aos 14 assaltos que cometeram. A história é coroada pelos dois estranhos suicídios, assim como a misteriosa presença de um agente dos serviços secretos de ideologia radical, o Pequeno Adolf, no cenário do nono crime.

Quem compunha o trio neonazista? O assistente social Thomas Grund conheceu os integrantes do grupo em 1991, quando tinham entre 15 e 20 anos de idade. Grund, que se aproxima hoje dos 60, ainda dirige um centro juvenil em uma das colônias de edifícios residenciais típicos da antiga República Democrática Alemã (RDA). No cimento daqueles "plattenbauten", a ideologia e a moda neonazistas encontraram um enorme eco. Entre muitos jovens que acabavam de presenciar a derrocada do regime comunista em que nasceram, vingou a ideia de que a nova Alemanha era só uma passagem intermediária para um Quarto Reich.

Enquanto isso, a dramática reconversão industrial enchia de desempregados os territórios da antiga RDA. Naquele tempo era fácil que um forasteiro encontrasse atitudes grosseiras ou abertamente hostis nas ruas do leste da Alemanha. Estavam na ordem do dia os ataques a estrangeiros e a pessoas cujo aspecto sugerisse outras diferenças: esquerdistas, mendigos, homossexuais. Aquela agressividade se cristalizou em vários ataques xenófobos de larga escala. O de Rostock-Lichtenhagen, em 1992, assumiu o porte de um autêntico "pogrom", quando centenas de moradores se aproximaram para aplaudir os neonazistas que tinham incendiado uma residência de refugiados políticos estrangeiros.

"A extrema-direita militante", lembra Grund, "era formada por grupos reduzidos e bem reconhecíveis." Zschäpe, que é a única sobrevivente do trio em questão, era uma das poucas garotas que "se juntava como um a mais entre os chefes". Os dois rapazes exibiam "toda a parafernália" da moda neonazista-skinhead: botas, jaquetas de aviador, cabeças rapadas, tudo muito em voga no leste da Alemanha durante os anos posteriores à queda do Muro de Berlim. Zschäpe, por sua vez, não adotou o estilo nazista feminino (cabelos curtos, franja com fios longos dos lados). Mundlos era o mais velho dos três, "o líder do grupo". Böhnhardt, que cresceu em orfanatos, costumava andar armado com uma faca. Mantinham contato com conhecidos neonazistas da região, onde "muitos jovens tinham medo deles". As dificuldades para encontrar mais testemunhas entre os que os conheceram na época sugerem que esse medo permanece.

Por volta de 1996, dezenas de neonazistas da região se articularam em uma organização que chamaram de Defesa Patriótica da Turíngia (THS). Mantinham contatos com outras organizações radicais e com o partido NPD. Mundlos evoluiu para "uma atitude de falsa mansidão, para aparentar que era um jovem burguês qualquer", lembra Grund. O trio estava metido até o pescoço nas redes neonazistas de Jena, uma cidade de 100 mil habitantes, até que passaram à obscuridade em 1998. Justamente quando a polícia ia detê-los como suspeitos de fabricar bombas. Uma vez submersa, a Defesa Patriótica da Turíngia se transformou na Resistência Nacional Socialista, marca sob a qual cometeram pelo menos 12 atentados e 14 assaltos.

O que fazia o Pequeno Adolf? Esse homem, do qual só se sabe o nome próprio e a inicial do sobrenome, Andreas T., era funcionário do serviço secreto alemão, o chamado Escritório Federal para Proteção da Constituição (BFV na sigla em alemão). Quando o detiveram como suspeito do assassinato de Halit Yizmal em 2006, o agente afirmou que estava "por acaso" no local do crime, vendo pornografia em um dos computadores da loja. Beirava os 40 anos. No sótão da casa de seus pais, a polícia encontrou símbolos nazistas que tinha gravado nas vigas quando era um adolescente; época na qual todos em sua cidade já o conheciam como Pequeno Adolf. Em sua residência de adulto encontraram munição ilegal, pistolas com licença, manuscritos de extrema-direita de sua autoria e um exemplar de "Minha Luta", a autobiografia de Adolf Hitler proibida na Alemanha. Era desde jeito que o Pequeno Adolf lia o verdadeiro Hitler. Dezenas de jornalistas passaram estes dias rondando sua casa em Hofgeismar, muito perto de Kassel, onde trabalha em um departamento do governo regional, para o qual foi designado em 2007. Judicialmente não é acusado de nada, mas foi submetido a um novo interrogatório na última segunda-feira.

Por que tanto sigilo? À reserva habitual com que sempre se tratam os serviços de inteligência é preciso acrescentar, no caso alemão, que a BFV é dividida em 16 chefaturas diferentes, uma para cada estado da federação. Andreas T. captava informantes para o serviço secreto do estado de Hesse. Pagam aos seus informantes com fundos reservados e os fornecem documentos falsos quando necessário. As autoridades de Hesse deram, nos anos 1990, uma "ajuda significativa" à vizinha Turíngia para organizar seu serviço de informação depois da queda do Muro. Pelo menos um dos informantes captados e mantidos por Andreas T. participou de manifestações da Defesa Patriótica da Turíngia, a rede neonazista de onde saíram os terroristas.

Um sujeito excêntrico e direitista, Helmut Roewer, dirigiu o serviço secreto da Turíngia entre 1994 e 2000. Esse senhor, acusado de corrupção, investiu centenas de milhares de euros para pagar informantes de organizações radicais. Neonazistas famosos como Thomas Dienel ou Wolfgang Frenz, que depois se tornaram funcionários do partido radical NPD, sustentam a hipótese de que muitos informantes destinavam parte de seu pagamento à manutenção ou ampliação de estruturas de extrema-direita. Em troca, ofereciam aos serviços secretos confissões inventadas ou resumos de informações já publicadas pela imprensa. Foi sob o mandato de Roewer que desapareceu do mapa o trio neonazista que integrou o bando NSU. O serviço secreto os vigiava, mas não evitou que fugissem a tempo de escapar. O trio passou quase 14 anos na clandestinidade com documentos pessoais bem falsificados.

O presidente do Sindicato da Polícia (GDP), Bernhard Witthaut, acredita que esses documentos eram papéis falsos "legais"; isto é, documentos que são usados para proteger testemunhas e informantes. O comissário Witthaut fica especialmente irritado que Roewer agora acuse a polícia pelo monumental erro que representou a fuga do trio. Entre os policiais alemães, ele diz, cresce a "consternação pelas possíveis implicações do assassinato de uma colega de serviço", referindo-se a Michèle Kiesewetter, décima vítima do NSU, que foi morta a tiros ao lado de seu companheiro de patrulha em 2007. Entre os detritos do apartamento explodido em Zwickau estava a arma utilizada nesse crime e as algemas dos dois agentes. O delegado Witthaut explica que "um policial comum tem de se perguntar como foi possível que esse grupo fugisse e se escondesse durante tanto tempo".

Aquela fuga transformou o trio em ídolos dos radicais da Turíngia, onde, inclusive, lhes foram dedicadas canções de rock radical. Dizia-se que estavam na Suécia, na África do Sul ou na Holanda e que mantinham contato com este ou aquele neonazista. Os rumores foram postos em circulação por antigos colegas da Defesa Patriótica da Turíngia, como Tino Brandt, um nazista muito conhecido que também estava na folha de pagamento do serviço secreto. Enquanto isso, os terroristas continuavam impunemente com sua série de assassinatos de pessoas de ascendência estrangeira, quase todas pequenas proprietárias.

Como Enver Simsek, que trabalhava em uma floricultura em Nuremberg (Baviera) quando foi morto por duas pistolas diferentes, há 11 anos. Nos seis anos seguintes também morreram nas mãos dos terroristas um alfaiate, dois fruteiros, um vendedor de "kebab" ["churrasco grego"], um hoteleiro, um serralheiro, um jornaleiro e o jovem Halit em Kassel. Todos tinham ascendência turca, menos um, que era grego. Mas a polícia descartou desde o início a possibilidade de um motivo ideológico na desconcertante série de crimes e a atribuiu a obscuras máfias estrangeiras. A cereja racista foi colocada por quem batizou a campanha terrorista de "os assassinatos do kebab".

No domingo passado foi detido outro militante neonazista, chamado Holger G., o quarto suspeito de colaboração com o bando. Ele alugou veículos para eles e lhes emprestou documentos. Tudo indica que o trio contou com uma ampla rede de cúmplices ou ajudantes. O próprio Holger G. era um velho conhecido das autoridades da Baixa Saxônia, cujos serviços secretos o vigiaram por sua suposta cumplicidade com o trio desaparecido; mas ele continuou a ajudá-los sem que ninguém o impedisse.

O sangue-frio dos assassinos casa muito bem com a ideologia nazista, que desumaniza o contrário. Desse ponto de vista, não surpreende que ninguém tenha reivindicado os atentados na época: trata-se de exterminar o adversário, como faziam as SS de Hitler nos campos de concentração. Mas, aceitando-se essa explicação, não se entende para que fizeram o vídeo da Pantera Cor-de-Rosa. É preciso colocar essa interrogação em uma longa fila: de que viveu o trio durante 14 anos? E de onde tirou as armas? Como souberam que seriam detidos em 1998? Dois deles realmente se suicidaram? Que papel tiveram os serviços secretos e o Pequeno Adolf?

Os serviços secretos alemães, tanto os internos (BFV) como os externos (BND), têm uma longa tradição de cegueira do olho direito. No pós-guerra, alimentaram suas fileiras com antigos nazistas. Depois da queda do muro, e sem perder de todo suas obsessões pela esquerda, os investigadores substituíram o velho inimigo comunista pela flamejante ameaça islâmica.

A ultradireita liquidou muito mais vidas na Alemanha que qualquer outro tipo de terrorismo. A fundação antirracista Amadeu Antonio lista 182 vítimas mortais de agressões da extrema-direita desde a unificação da Alemanha em 1990. A chanceler Angela Merkel prometeu na última segunda-feira "o esclarecimento imediato e completo" dos últimos dez assassinatos. O comissário Witthaut também espera consegui-lo, mas acrescenta ao telefone um resignado "se possível".


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