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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Silêncio e terror nas ruas de Hama, arrasada pelo exército sírio


Veículo blindado do sírio destruído por soldados desertores em Hama 


O folheto turístico descreve Hama como a cidade das rodas d'água, e várias delas são conservadas no leito do rio Orontes. No entanto, desde 1982, o nome de Hama está associado ao esmagamento de uma revolta islâmica que deixou entre 10 mil e 40 mil mortos, segundo as fontes. Agora, a repressão às manifestações populares contra o regime de Bashar el Assad reabriu aquelas feridas, que nunca chegaram a cicatrizar. Durante os meses de junho e julho Hama se transformou no centro da contestação. As autoridades sírias tentam demonstrar que tudo voltou à normalidade, mas não permite o livre trânsito dos jornalistas por suas ruas.

Os habitantes de Hama foram os primeiros a se solidarizar com os protestos que começaram em Deraa, ao sul, por causa da detenção de um grupo de rapazes que pintaram um slogan contra o regime na parede de sua escola. O estopim pegou com facilidade nessa cidade de 1 milhão de habitantes, majoritariamente sunitas, mas onde também vivem várias comunidades cristãs. Aos agravos que possam ter outros sírios, milhares de famílias somam aqui a impossibilidade de dispor de suas propriedades, já que o regime nunca emitiu atestados de óbito das vítimas do assalto dos anos 80, e sem eles não se pode herdar nem vender.

Nas duas primeiras sextas-feiras de julho deste ano várias centenas de milhares de pessoas se reuniram na Praça do Asi, como os sírios chamam o Orontes. De seu caráter pacífico deram testemunho os embaixadores de EUA e França, que, para irritação do regime de Damasco, se aproximaram para solidarizar-se com os manifestantes.

O governador da província, Anas Naem, repete a versão sancionada dos acontecimentos. "Grupos de terroristas armados fecharam a cidade, levantaram barricadas nas ruas e semearam o caos. Em três ou quatro dias os militares limparam a cidade e a vida voltou à normalidade", afirma.

E essa normalidade é o que as autoridades querem que a imprensa veja. Mas nem o governador, nem qualquer outro porta-voz oficial, dão uma explicação convincente de quem são os "terroristas", de onde saíram ou o que pretendem, além de ligá-los a uma conspiração estrangeira. Para provar suas acusações, mostram aos jornalistas a destruição que causaram na cidade.

Naem situa a entrada do exército "no início de agosto", mas a imprensa informou a respeito em 31 de julho. A discrepância é importante. Os três edifícios que o relações-públicas do gabinete do governador nos mostra foram incendiados nesse dia, o que aponta para uma reação contra a presença dos militares nas ruas, mais que o contrário, como sugere o relato do governador.

A primeira parada é diante do destruído Clube de Oficiais. Uma só pessoa cruza a rua nesse momento. É uma jovem coberta no conservador estilo da região, com um lenço cobrindo não só o cabelo, mas também o queixo, deixando à vista boca, nariz e olhos. O que aconteceu em sua cidade para que alguém faça algo assim?

- Na sexta-feira pela libertação dos meninos houve 500 mortos, responde, referindo-se a uma manifestação que pedia a liberdade dos meninos detidos em Deraa.
- Quinhentos?
- Foi o que eu vi.
- Quem os matou?
- Não sei, não saio de casa.

A curiosidade sem dissimulação dos agentes de segurança que acompanham a visita assusta a mulher. "Não posso lhe dizer mais", desculpa-se.

A segunda parada é nos tribunais, que tentam retomar a atividade enquanto pedreiros, eletricistas e pintores se apressam em consertar os destroços do ataque. Depois de várias tentativas fracassadas de iniciar uma conversação, uma advogada aceita falar. "Não sabemos quem está por trás de tudo isso, mas sabiam o que faziam porque destruíram as fichas de antecedentes criminais", afirma. Pergunto-lhe quando foi interrompida a atividade nos tribunais. "No primeiro dia de Ramadã", responde sem duvidar. Neste ano a data do calendário muçulmano caiu em 1º de agosto.

- Até esse dia a senhora pôde vir trabalhar sem problemas?
- Sim, todos os dias.
- Não havia manifestações?
- Sim, mas, as pessoas cultas, não nos misturamos nesses assuntos.

Isso contradiz que os protestos tivessem paralisado a cidade até a entrada do exército. Embora tampouco signifique que não aconteceram coisas. Em 31 de agosto, ao concluir o mês de Ramadã, o até então promotor chefe de Hama, Adnan Bakur, publicou um vídeo na Internet no qual anunciava sua renúncia ao cargo em protesto pelo que qualifica de crimes contra a humanidade. Bakur afirmava ter presenciado a execução de 72 prisioneiros em um só dia e a tortura de centenas de civis detidos durante o mês de julho.

Em seu escritório, que não foi afetado pelo incêndio, o novo promotor chefe, Ismail Sharif, nega que seu antecessor tenha desertado. "Foi sequestrado, é obrigado a fazer essa declaração", afirma em consonância com a versão oficial. Sharif está preocupado com os sequestros e denuncia que na manhã de segunda-feira "um comando armado" levou um juiz de um distrito próximo. No entanto, não se entusiasma ao falar dos números de processados.

"Faça-me perguntas sobre assuntos legais, não políticos", responde. "Na maioria são sabotadores, embora 2 mil manifestantes pacíficos tenham ficado em liberdade depois de ser interrogados", indica. Se eram pacíficos, por que os detiveram? "Porque não tinham autorização para se manifestar e nossas leis, tiradas de vários países europeus, exigem essa autorização", responde. Finalmente, depois de saber que o governador deu à imprensa o número de 300 detidos, declarou que são "cerca de 300".

No bairro de Hader, a última parada do "programa" preparado pelas autoridades, os meninos voltaram a jogar nas ruas. Mas nenhuma das mulheres que passa diante dos restos calcinados da delegacia de polícia admite saber o que aconteceu. "Ouvi algo, mas estava em casa", diz uma. "Não estávamos aqui, saímos da cidade", responde outra. Por quanto tempo? "Não me lembro", desculpa-se, agarrando a criança que a acompanha e seguindo seu caminho.

Voltando às pressas a Damasco, passamos por Rastan. Da estrada se vê o pedestal da estátua destruída do falecido presidente Hafez el Assad, pai do atual mandatário, prova de outra mostra de descontentamento. Na altura de Homs, as trincheiras que rodeiam a cidade e os blindados que guardam suas entradas lembram que a cidade ainda não foi subjugada. "Podem controlar nossas ruas, mas não nossas mentes", declara a "El País" um jovem que passou quatro meses na prisão.

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