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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Chamado de "Viktator", premiê húngaro se inclina para a direita mais conservadora


Sua reforma da Constituição modifica a lei eleitoral a seu favor, reduz o poder do judiciário e a liberdade de imprensa

O sociólogo e professor de direito Lázsló Kéri conta que em 1994 teve esta conversa com Viktor Orbán, que então tinha 31 anos:

"Viktor, é verdade que você vai passar para o outro lado da política, a direita?"

"Sim, será uma coisa gradual. Precisamos deixar a esquerda porque sempre ficamos em terceiro lugar."

"Creio que isso é cínico."

"Lázsló, você não entende a essência da política."

Tal declaração de pragmatismo deixou atônito o professor, que o conhecia desde que o atual primeiro-ministro húngaro começou sua carreira, na faculdade de direito da Universidade Eötvös Loránd, em Budapeste. Ele não conseguia acreditar que a pessoa que estava na sua frente fosse o mesmo estudante de cabelos compridos, um democrata, opositor radical da ditadura comunista de Kadar com o qual havia entrado em contato em 1982: "Logo se destacou por sua determinação. Estava claro que era um líder", lembra Kéri, ao telefone.

Em 1988 Orbán havia se unido a outros companheiros de universidade e fundado a Fidesz, Aliança de Jovens Democratas. Um ano depois recebeu uma bolsa para um curso em Oxford, financiada pela fundação de outro húngaro, o magnata George Soros. Foi em 16 de junho que começou a ser alguém. Comemorava-se um funeral de homenagem a Imre Nagy, o primeiro-ministro executado depois do frustrado levante contra Moscou em 1956, ao qual se seguiu uma selvagem repressão. Diante de cerca de 250 mil pessoas, Orbán se arriscou a pronunciar um discurso no qual se conectou com os sonhos dos húngaros sepultados durante 30 anos. Pediu democracia e que as tropas soviéticas abandonassem a Hungria. Dois meses depois caiu a cortina de ferro.

Com o tempo, Viktor Orbán, 48, foi refinando sua capacidade para gerar desconcerto. Rejeitou o Pacto pelo Euro alcançado na última cúpula da União, para pouco depois dizer que submeteria a decisão ao Parlamento, que controla com uma maioria avassaladora de dois terços. Espantou os enviados do FMI e da Comissão Europeia com os quais negociava um aval de bilhões de euros para aliviar a problemática economia do país, e hoje diz que negociará com eles sem condições. Aprovou uma lei que mina a independência do banco central e acaba de entrar em vigor uma muito polêmica reforma constitucional de grande calado, que Bruxelas examina com lupa. Tudo em apenas um mês. A nova Carta Magna, segundo seus críticos, diminui o poder judicial, muda a lei eleitoral de forma a beneficiar o Fidesz e estabelece controles sobre a imprensa.

A Comissão Europeia, o FMI, os EUA, as organizações de direitos humanos e a imprensa internacional elevaram a quantidade e o tom das críticas ao primeiro-ministro húngaro, que no dia 2 de janeiro viu dezenas de milhares de cidadãos se manifestarem em Budapeste contra a nova Constituição e chamá-lo de "Viktator".

Transformado na ovelha negra da Europa e com seus índices de popularidade em queda livre, nos últimos dias começou a moderar o discurso. Nisso consiste uma de suas principais habilidades: diz ao outro o que quer ouvir e o retira se for necessário. "É carismático", define um jornalista que acompanha o dia a dia parlamentar em Budapeste. "Quando fala, seus deputados o olham como a um deus." De fato, acrescenta, "os analistas acreditam que sem ele o Fidesz não poderia manter sua maioria absoluta. Ele controla tudo: todos os assuntos estão em suas mãos e se cerca de pessoas muito leais". Em um telegrama do WikiLeaks que se refere a 2006, ele é citado pedindo a diplomatas europeus: "Não prestem atenção ao que eu diga para ser eleito".

Talvez só o feroz anticomunismo e o populismo de Orbán tenham sobrevivido durante a longa virada que ele e seu partido deram para a direita mais conservadora. No caminho, foi vital entregar-se à retórica ultranacionalista. Em 23 de outubro de 2010 fez um discurso diante de milhares de pessoas. Em abril havia varrido nas urnas e conseguido ser primeiro-ministro pela segunda vez (a primeira foi entre 1998 e 2002). Uma embriaguez de poder que talvez ainda continue.

Junto ao imponente edifício do Parlamento húngaro, na praça onde começou a revolta de 1956, Orbán disse: "Nós, que estivemos em 1990 para cravar nossas unhas no ataúde do comunismo; nós, que participamos da revolução dos dois terços nas eleições de abril ... sabemos como é quando alguém nos conduz pelo caos ... e quem une a vida das massas com milhares de faces em um destino comum. Isto é o que aconteceu em 1956 com as armas na mão, em 1990 com uma revolução constitucional e em 2010 com a revolução dos dois terços. É assim que nasce a história e como renasce uma nação". Desse modo, Orbán liga a si mesmo e sua vitória, a que chama de revolução, aos dois fatos mais importantes da história contemporânea do país.

Seu partido e ele alimentam há anos a recuperação dos símbolos, as bandeiras históricas, o antigo reino, inclusive a ideia da Grande Hungria, referindo-se às fronteiras anteriores ao Tratado de Trianon de 1920, uma ferida que ainda dói e que cortou 70% do território do país e cerca de 2 milhões de habitantes. Uma lei aprovada pelo Fidesz permite que as pessoas da etnia magiar dos países limítrofes obtenham a nacionalidade húngara.

O relevante é que toda essa retórica e o espírito nacionalista hoje estão na nova lei fundamental, que, como o resto da reforma, só pode ser alterada por uma maioria de dois terços, o que dificulta qualquer mudança que outro governo queira fazer.

O preâmbulo da Carta Magna começa com um "Oh, Senhor, abençoai os húngaros", e a partir daí proclama "o orgulho por nosso rei santo Estevão, que construiu o Estado húngaro sobre sólidas bases e fez de nosso país parte da Europa". Também sustenta que "a família e a nação constituem as bases de nossa coexistência" e rejeita completamente "a Constituição comunista de 1949, a base da tirania". Além disso, acaba de ser aprovada uma lei que responsabiliza os atuais socialistas pelos crimes comunistas.

Há uma paixão que Orbán mantém desde pequeno: o futebol. Na equipe do Felcsút, um dos dois povoados onde passou a infância, jogava como meio de campo. Na mitificação institucional de Ferenc Puskas, um dos melhores atacantes da história, Orbán teve um papel determinante. O jogador dos anos 1950 - contratado pelo Real Madrid em 1958 - desertou do comunismo aproveitando uma eliminatória da Copa da Europa com o Athletic de Bilbao em 1956. Orbán cuidou de transferir os objetos de culto do jogador para a Hungria, além de criar em 2007 uma academia de futebol com o nome de Puskas, nascido em Budapeste, em Felcsút, o povoado de Orbán.

Não é fácil saber até que ponto Orbán acredita em seu próprio discurso ou é um oportunista pragmático, capaz de fazer seu partido virar para a direita para unificar e dirigir a Hungria, ou se considera sinceramente o homem que vai revolucionar o passado e o futuro de seu país. Uma coisa parece clara, como afirma Kéri: "Ele acredita estar no centro da história".

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