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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Alemanha deverá julgar aposentadorias por trabalho forçado para os nazistas


Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal da Alemanha)

Há anos, os trabalhadores nos guetos da era nazista lutam para conseguir a aposentadoria que a lei alemã lhes garante ostensivamente. Uma interpretação estrita dessa legislação, entretanto, fez com que a vasta maioria dos pedidos fosse rejeitada. Agora foi depositada uma queixa na Suprema Corte da Alemanha.

Elijahu Zicher tinha apenas 9 anos quando começou em seu primeiro emprego. Os nazistas tinham invadido a Polônia, matando sua mãe e sua irmã mais velha e obrigando o resto da família a viver no gueto da cidade de Wlodowa, no leste da Polônia, onde o menino judeu encontrou trabalho nos esgotos do gueto. Em relação à situação geral, as condições eram razoavelmente boas. Zicher não era mantido sob guarda enquanto trabalhava e até recebia um modesto pagamento.

Dezenas de milhares de judeus que viveram nos guetos sob o regime nazista tiveram experiências semelhantes, trabalhando em empregos mais ou menos normais. Alguns desses guetos tinham seus próprios centros de empregos e alguns empregadores alemães até pagavam fundos de aposentadoria. Sobreviventes como Zicher não recaem na categoria de trabalhadores forçados, por isso uma lei adicional aprovada em 2002 pelo Parlamento alemão, ou Bundestag, lhes garantiu o direito de receber uma pensão da Alemanha.

Pelo menos no papel. Na prática as coisas foram um pouco diferentes. Desde 2002, cerca de 70 mil sobreviventes recorreram a essa lei, conhecida como "Pensões Alemãs por Trabalho nos Guetos" ou pela sigla em alemão, ZRBG. Entretanto, mais de 90% desses pedidos foram inicialmente rejeitados, pois as autoridades alemãs optaram por uma interpretação excessivamente rígida da lei.

Os provedores de seguros do Estado muitas vezes alegaram que os antigos moradores de guetos teriam trabalhado voluntariamente e receberam algum tipo de "remuneração" por seu trabalho, duas condições estipuladas pela ZRBG. As seguradoras afirmaram em muitos casos que esses sobreviventes haviam alegado às autoridades alemãs nos anos 1950 que foram trabalhadores forçados, e mais tarde mudaram sua história para que também pudessem receber "pensões do gueto". Na realidade, é claro, muitos judeus sofreram as duas coisas: o gueto e mais tarde trabalho forçado --assim como Zicher. Os sobreviventes levaram esses casos ao tribunal, mas na maioria deles a Justiça alemã decidiu a favor do fundo de pensão.

Zicher também fez sua solicitação em 2002, como é necessário para receber a pensão completa retroativa a 1997, que lhe é devida segundo a lei. O fundo de pensão recusou seu pedido. Zicher, hoje um cidadão israelense, levou o caso ao tribunal e perdeu. Em 30 de abril de 2009, o Tribunal Social Federal da Alemanha decidiu que não seriam permitidas novas apelações.

Resistência do Ministério das Finanças
Agora, arquivos internos mostram que não apenas os tribunais foram rígidos --o governo federal também. Especialmente o Ministério do Trabalho, que supervisiona essa questão, desempenhou um papel nada simpático, com sua preocupação básica de não sobrecarregar os que atualmente financiam o sistema. O Ministério das Finanças, entretanto, se recusou a financiar a indenização aos trabalhadores do gueto pelo orçamento federal. "A opção mais eficiente foi escolhida, porque qualquer outra coisa não parecia factível diante da resistência do ministério", conclui Stephan Lehnstaedt, do Instituto Histórico Alemão de Varsóvia, que estudou os processos. "Os envolvidos na decisão claramente nada sabiam sobre as condições históricas", ele escreve em um artigo ainda não publicado.

Isso ficou evidente nas deliberações ao redor da lei de pensões do gueto. Depois que o Tribunal Social Federal decidiu em 1997 que o trabalho realizado nos guetos deve ser reconhecido como emprego sob os termos das leis de aposentadoria alemãs, as autoridades de Berlim decidiram determinar quantos potenciais solicitantes poderiam esperar. Correspondências internas revelam que o Ministério do Trabalho previu no máximo 3.000 solicitantes, e em correspondência com membros da comissão de orçamento do Parlamento chegaram a calcular o número em apenas 700 --um erro de cálculo embaraçoso diante do fato, conhecido mesmo então, de que os nazistas tinham estabelecido mais de 400 guetos judeus em todos os territórios que ocuparam durante a Segunda Guerra Mundial. Somente o gueto de Varsóvia tinha uma população de cerca de 500 mil pessoas em 1941.

O governo alemão também foi avaro desde o início quando se tratou de estabelecer o valor dessas pensões. "Uma 'grande solução' não é factível diante da atual situação financeira do fundo de pensão", escreveu o departamento de aposentadorias do país em maio de 2001 para Walter Riester, o ministro do Trabalho social-democrata da época. Até a solução apresentada como "financeiramente administrável" encontrou resistência, quando o Ministério do Trabalho assumiu a posição de que não seria possível financiar pensões para esses trabalhadores dos guetos somente com as contribuições pagas pelos atuais empregados. Como sugeriu um projeto de lei sobre o assunto, esse era um "dever da sociedade como um todo", cujo custo deveria ser reembolsado pelo governo federal.

Mas o Ministério das Finanças se recusou a aceitar. Afinal, a lei foi formulada de uma maneira que tornou excessivamente difícil se mover um processo. Qualquer pessoa que pedisse uma pensão deveria ter sido "obrigada" a viver em um gueto, por um lado, mas pelo outro ter trabalhado lá "por sua própria vontade". Esta clara contradição permitiu que o fundo de pensão adotasse uma abordagem restritiva.

"Empecilhos irracionais"
As autoridades criaram questionários complicados, nos quais muitos solicitantes se emaranharam. Recentemente, a Agência Federal Antidiscriminação interferiu para exigir que os formulários fossem reavaliados. "Algumas perguntas incluídas no formulário de pensão poderiam na nossa opinião impedir racionalmente alegações daqueles que têm direito às pensões", escreveu o órgão em uma carta de 19 de abril de 2012.

O Ministério do Trabalho, que é o responsável final por essa questão, há muito tempo não se preocupa com as críticas. Em 2006, o ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, levantou a possibilidade de modificar a lei durante uma visita a Jerusalém, mas o Ministério do Trabalho o freou. As vítimas não ficariam satisfeitas até que 90% das solicitações fossem concedidas, escreveram especialistas internos para altos membros do ministério em 24 de fevereiro de 2006. Isso significaria pagamentos atrasados de cerca de 2,5 bilhões de euros (US$ 3,3 bilhões), assim como pensões mensais de cerca de 270 milhões de euros, advertiram essas autoridades. "Como estava curto em verbas para pensões, o Ministério do Trabalho decidiu ganhar tempo", acredita Lehnstaedt, do Instituto Histórico Alemão de Varsóvia.

Enquanto isso, Berlim põe parte da culpa pelo baixo índice de aprovação de solicitações nos próprios sobreviventes, escrevendo em uma resposta a uma solicitação de 26 de junho de 2006 do grupo parlamentar do Partido de Esquerda que o alto número de solicitações rejeitadas se devia em parte à falta de conhecimento "dos solicitantes" sobre essa complexa situação jurídica, "difícil de entender à primeira vista".

O governo também derrubou várias iniciativas de juízes do Tribunal Social do Estado de Renânia do Norte-Vestfália, por exemplo, ou de parlamentares de Berlim. Os legisladores já "forçaram os limites do que é possível dentro do sistema de aposentadorias oficial" em 2002, escreveu o Ministério do Trabalho para o Ministério de Serviços Sociais estadual da Renânia do Norte-Vestfália em outubro de 2008, acrescentando que "o governo federal expressou diversas vezes que não está planejada qualquer emenda à ZRBG".

As mudanças só vieram quando duas decisões do Tribunal Social Federal, em junho de 2009, reviram a lei existente e facilitaram o acesso às pensões. Com velocidade surpreendente, em cerca de uma semana, as autoridades de Berlim calcularam o peso que essa decisão colocaria sobre o fundo de pensão nacional. "Com base em estimativas grosseiras, devemos esperar que isto representará pagamentos retroativos de 2 a 3 bilhões de euros pelo fundo de pensão, assim como despesas anuais de até 200 milhões de euros", diz seu relatório para o então ministro do Trabalho, Olaf Scholz (SPD).

Apelando à Suprema Corte
Isto se chocou com a promessa de Angela Merkel de reduzir os prêmios do fundo de pensão, então o Ministério do Trabalho quis que os custos adicionais fossem financiados por impostos. Mas também não deu em nada.

Para a maioria dos solicitantes que haviam sido recusados anteriormente, a decisão do Tribunal Social Federal pareceu uma boa notícia de início, e eles reapresentaram seus pedidos. Desta vez, Elijahu Zicher em Israel recebeu uma pensão, mas retroativa a apenas quatro anos, e não a 1997 como estipula a lei de pensões para os trabalhadores dos guetos. Aqui, o fundo de pensão alemão invocou um trecho da lei social alemã que declara que a remuneração por uma decisão errônea é paga retroativamente por no máximo quatro anos, e o Tribunal Social Federal decidiu a favor do fundo de pensão em fevereiro passado.

A advogada de Zicher em Berlim, Simona Reppenhagen, agora entrou com uma apelação ao Tribunal Constitucional da Alemanha, o mais elevado órgão jurídico do país, e escolheu uma data altamente simbólica para fazê-lo: 8 de maio, o aniversário do fim do regime nazista na Alemanha. Reppenhagen quer que sua apelação pressione o governo alemão a finalmente encontrar uma solução.

Mas Berlim está resistindo. Uma proposta da oposição de modificar a lei sobre as pensões dos trabalhadores dos guetos encontrou pequeno apoio do atual governo. A ministra do Trabalho, Ursula von der Leyen (da União Democrata Cristã, da chanceler Angela Merkel), uma política muitas vezes envolvida em outras questões sociais, não demonstrou interesse por chegar a uma conclusão mutuamente satisfatória no que é provavelmente o último capítulo da reparação da Alemanha.

O raciocínio do Ministério do Trabalho é que ainda não houve uma decisão conclusiva no caso jurídico com os ex-trabalhadores dos guetos --por isso ainda não há motivo para se tomar uma medida.

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