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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Prospect: Jovens esquerdistas questionam o papel da monarquia na Espanha

Família real espanhola, da esquerda para a direita: príncipe Felipe, rei Juan Carlos, princesa Letizia e a rainha Sofia, durante desfile militar do Dia Nacional, que marca a chegada de Cristovão Colombo na América

Em abril, o rei Juan Carlos 1º da Espanha saiu para caçar. Mesmo aos 74 anos, o rei jovial gosta de manter um de seus hobbies favoritos. Desta vez ele foi para Botsuana. O assunto particular deveria ser mantido em sigilo. Mas após quatro dias na África, o rei tropeçou e caiu, quebrando o quadril em três lugares.

Ele foi enviado de volta para Madri para uma cirurgia de emergência. Enquanto estava no hospital, os detalhes da viagem começaram a se espalhar na imprensa. A rainha Sofia, que estava passando férias em seu país natal, a Grécia, não voltou imediatamente para ficar ao lado de seu marido. Também se espalhou o comentário de que a viagem de caça, apesar de não bancada por dinheiro público, custou mais do que salário anual de um espanhol comum.

Em uma ação sem precedente, o rei Juan Carlos fez um pedido de desculpas pela televisão. Apoiado em muletas para receber os jornalistas no hospital, ele disse: "Eu sinto muito. Eu cometi um erro. Não acontecerá de novo".

Pedidos de desculpas são quase desconhecidos entre a realeza e os políticos espanhóis. Mas o rei tinha que dizer algo. No ponto mais baixo da crise econômica do país, o rei Juan Carlos estava atirando em elefantes na África.

"O rei já fez milhares de viagens de caça", disse Jaime Penafiel, um jornalista que cobre a monarquia para o jornal "El Mundo". Esse é o mesmo homem, disse Penafiel, que os espanhóis conhecem e aceitam há décadas. "O rei sempre foi assim; o que mudou foi o país."

O rei Juan Carlos personifica a história da Espanha moderna – e como o próprio país, ele e sua dinastia agora estão em apuros. No final dos anos 70, após a morte do ditador general Francisco Franco, o rei presidiu a nova democracia da Espanha. Seu papel chave na transição do fascismo para a democracia transformou a monarquia espanhola em uma instituição nacional estimada.

Mas essa visão está começando a ser atacada. "Nos últimos anos, uma parte crescente da população, particularmente os jovens e esquerdistas, passou a questionar o processo de transição (para a democracia)", disse Fernando Jiménez, um professor de política de Universidade de Murcia. "O rei personifica (aquela era) e é o alvo mais óbvio dos ataques."

As dificuldades atuais do país tornam as coisas ainda piores. Um quarto dos espanhóis está desempregado, incluindo metade dos jovens espanhóis, e a política está presa no impasse da austeridade. A Espanha é a quarta maior economia da zona do euro e isso coloca o continente em risco. "Nunca antes houve uma crise tão inesperada e que tenha afetado tantas pessoas", disse José Bono, ex-presidente do Congresso Nacional.

Agora, palavras como "fraude" e "corrupção" pairam sobre qualquer menção da classe política. Por dois anos seguidos, os "indignados", os jovens espanhóis que saíram às ruas em protesto contra as medidas de austeridade e o desemprego, repetem uma censura não partidária: "Os políticos não nos representam". O rei também foi engolfado pela imagem ubíqua de fracasso institucional.

O fiasco da caçada do rei arrematou uma semana bizarra, na qual seu neto de 13 anos, Felipe Juan Froilán, atirou acidentalmente em seu próprio pé enquanto caçava com seu pai no norte da Espanha. Esse golpe duplo na credibilidade da família real ocorreu poucos meses depois de um escândalo mais danoso. Em fevereiro, o genro do rei, Iñaki Urdangarin, compareceu a um tribunal para ser questionado a respeito de alegações de malversação de verbas públicas. O caso de Urdangarin ainda está tramitando.

Esses escândalos ocorrem em um momento delicado na história da monarquia da Espanha – no momento em que o rei está se preparando para entregar a coroa para seu filho, o príncipe Felipe. O palácio tentou se adaptar ao novo clima de escrutínio. Em fevereiro, ele contratou um ex-jornalista, em vez de um diplomata, como seu novo diretor de imprensa. O rei agora tem um site e um blog. A estratégia é acentuar todo seu trabalho, especialmente suas viagens ao redor do mundo para promover as empresas espanholas. Mas isso também traz o risco de expô-lo em excesso.

Em setembro, o rei Juan Carlos postou comentários em seu site sobre o confronto que se anuncia em torno da independência da Catalunha. Era natural para um símbolo da união nacional advertir o campo pró-independência. Mas seus comentários foram desajeitados – até mesmo aliados políticos, pedindo anonimato, me disseram que o rei cometeu um erro.

Seria inconcebível em qualquer outra monarquia da Europa Ocidental que erros como esses colocassem em dúvida a viabilidade da própria instituição. Mas foi precisamente o que aconteceu na Espanha. Ninguém está falando em tomar o Palácio de Zarzuela. Mas não seria exagero questionar se o país ainda precisa de uma monarquia.

O rei Juan Carlos é membro da dinastia Bourbon que governa a Espanha, com intervalos, desde 1700. Em 1931, a eleição da Segunda República antimonarquista mandou seu avô, o rei Alfonso 13, para o exílio na França. Quando estourou a guerra civil cinco anos depois, a família real apoiou os rebeldes nacionalistas que lutavam para derrubar a república. A vitória deles em 1939 levou Franco ao poder. Apesar de suas promessas de restaurar a realeza, Franco recuou diante da perspectiva de dividir o poder. Em 1941, com a família ainda exilada no exterior, o rei Alfonso 13 morreu e seu filho, don Juan de Bourbon, assumiu a causa.

Posteriormente, Franco fez uma proposta descarada: que don Juan enviasse seu filho de 10 anos, Juan Carlos, para ser educado sob tutelagem de Franco. Este então poderia dar a impressão de que a família real selou a paz com seu governo como regente, enquanto don Juan poderia nutrir a ilusão de que Franco estava preparando o príncipe para uma futura transferência de poder de volta à dinastia Bourbon. Don Juan consentiu, e seu filho aturdido, que estava morando na Suíça, partiu para um país no qual nunca antes tinha botado os pés.

Em 1969, Franco nomeou Juan Carlos seu herdeiro, o designando "príncipe da Espanha", em vez do título Bourbon de "príncipe das Astúrias". Isso não representou uma restauração da antiga monarquia.

Em 1977, com a morte de Franco, houve uma cerimônia desajeitada de abdicação. Foi puro simbolismo àquela altura: don Juan estava cedendo o trono para seu filho, que era o rei de fato há dois anos.

Na época, o rei Juan Carlos se tornou um protagonista político por mérito próprio e até mesmo um democrata improvável. Ele passou os últimos anos da vida de Franco buscando cuidadosamente aliados e uma nova imagem para a monarquia. Na época, a comunidade internacional, assim como a esquerda espanhola, o via com suspeita. Enquanto isso, a direita nutria dúvidas a respeito de sua fidelidade ao legado de Franco.

Mas o rei Juan Carlos e seus conselheiros entendiam que a rota para a longevidade institucional estava na democracia. O primeiro-ministro escolhido a dedo pelo rei legalizou os partidos de esquerda. Logo depois, representantes de cinco partidos diferentes, cobrindo todo o espectro político, elaboraram uma Constituição.

Um senso de profunda lealdade ao rei se enraizou, especialmente entre a esquerda, que o rei trouxe para o processo político após ser perseguida por Franco.

Mesmo assim, foram precisos os eventos dramáticos de 1981 para selar a lealdade da população ao rei Juan Carlos. Em 23 de fevereiro, um grupo de generais tentou um golpe, durante o qual 186 guardas civis armados invadiram o prédio do Parlamento e mantiveram 350 políticos sob a mira de armas. Foi um momento de pressão imensa para o rei, que é o chefe das forças armadas.

Seis horas depois do ataque inicial, o rei Juan Carlos apareceu na televisão para condenar os militantes e defender a Constituição. Ele falou por menos de dois minutos, mas suas palavras soaram como uma defesa poderosa dos princípios democráticos.

O rei sempre teve dois lados na imaginação popular: primeiro como herdeiro do ditador e depois como salvador da democracia. A forma como ele lidou com o golpe enterrou de modo eficaz o primeiro e consagrou o segundo. E mesmo após seu "annus horribilis" neste ano, o rei continua sendo uma figura amplamente admirada, particularmente entre a geração mais velha de políticos e acadêmicos.

Desde sua cirurgia de quadril, em abril, o rei Juan Carlos se move de modo cauteloso, em uma espécie de passo arrastado. Mas não há cautela, apenas alegria, na interpretação do rei pelo ator Toni Albà em um novo musical sobre a família real, chamado "La Familia Irreal".

No show, um grupo de manifestantes, incitado pela crise atual, invade o Palácio de Zarzuela, forçando a comitiva real a se esconder. O único recurso da família é lotar um apartamento minúsculo e se disfarçar como uma família espanhola normal.

O roteiro é salpicado de declarações recentes do rei: seu pedido de desculpas pela caçada, a repreensão à independência da Catalunha, uma fala infeliz em uma viagem à Índia. "Há dez anos, esse tipo de comédia não seria possível", me disse Jordi Ventura, um dos roteiristas da peça, durante a noite de estreia do musical em Barcelona.

Mas hoje Ventura acredita que a monarquia atingiu um ponto de virada existencial. Ele atribui isso a "toda a frivolidade da monarquia: a cobertura das revistas, a atenção dos tabloides". "Tudo o que Juan Carlos fez para assegurar a legitimidade de sua instituição acabou em 1982", disse o historiador Paul Preston. Agora, nas palavras do historiador Santos Juliá: "O (celebrado) poder simbólico do rei não é suficiente para ofuscar os escândalos recentes".

A julgar pelas reações à noite de estreia de "La Familia Irreal", o público espanhol está ávido por sátira que canalize sua raiva contra as elites que governam o país. Sorrisos de surpresa tomaram conta do público.

O tiro de despedida provocou gargalhadas. Sem saber como mais retomar o trono, o rei Juan Carlos e sua família se vestem como guardas civis e reencenam o golpe de 1981 que consolidou sua posição. Para preparar a cena, ele e sua família encorajam o público a se levantar. Assim que todo mundo está em pé, eles gritam para todos se abaixarem e lhes dizem que é um assalto. O rei agita sua pistola no ar. Mas em vez de disparar para o teto, como fez o líder do ataque original, o rei abaixa o braço. E acaba atirando no próprio pé.

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