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sexta-feira, 15 de março de 2013

Le Monde: A islamização progressiva de Gaza pelo Hamas


O departamento de ensino de francês é um oásis de diversidade e liberdade indumentária dentro da Universidade Al-Aqsa. Além disso, os 74 rapazes e moças que o frequentam juntos causam inveja aos 26 mil outros estudantes da universidade, sujeitos a uma rígida separação entre sexos. O diretor, Ziad Medoukh, justifica esse status privilegiado: "Para começar, eu bato o pé. E, como estamos fazendo nosso trabalho, que eles conhecem, e somos o único departamento de francês em Gaza, tudo bem..."

"Eles" são os membros do conselho administrativo da segunda maior universidade (atrás da Universidade Islâmica) da Faixa de Gaza. A decisão deles, no início de janeiro, de impor o uso do hijab (véu islâmico) e do jilbab (um longo vestido solto) provocou uma "comoção totalmente desmedida em blogs na internet", afirma o Dr. Neamat Shaban Alwan, vice-presidente para assuntos culturais da Al-Aqsa.

Ele afirma que o conselho havia tomado essa decisão em 2007 (ano em que o Hamas tomou o poder em Gaza) e está simplesmente a relembrando. Com firmeza. "Nosso papel é orientar, guiar as jovens a respeitarem os hábitos e as tradições da sociedade palestina. Estamos pedindo simplesmente que as roupas não revelem as formas do corpo da mulher", argumenta. A julgar pela única estudante que estava usando jeans (e véu), entre todas aquelas que faziam uma pausa para o almoço no jardim, a ordem foi ouvida.

Seria isso prova de uma islamização progressiva em Gaza, que "está corroendo os direitos das mulheres", como diz a jornalista e blogueira Asmaa el-Ghoul? Seria essa uma decisão "ilegal" derivada de uma vontade de "talebanizar" a sociedade de Gaza, como afirmou em Ramallah Hanane Achraoui, diretora do departamento cultural da OLP (Organização de Libertação da Palestina)?

Diante dessa ebulição midiática, os líderes do Hamas se fazem de desentendidos. Assim como Amira Haron, vice-ministra encarregada das Questões da Mulher, que afirma que o governo não tem nada a ver com essa decisão puramente acadêmica.

Ela explica que o hijab "não é especialmente aconselhado, ainda que seja recomendado pelo Corão e pela lei islâmica". "O governo", ela diz, "não pode impor nada. As estudantes são livres, mas precisam respeitar as tradições palestinas, que proíbem determinados comportamentos. Estamos simplesmente tentando aumentar a consciência religiosa das pessoas de Gaza, lembrando-lhes aquilo que o islamismo lhes pede."

Em caráter "totalmente pessoal", Amira Haron revela o que pensa: "O hijab é na verdade para todas as mulheres, sejam elas palestinas ou não. Isso lhes confere respeito".

Seria o Hamas inocente de qualquer intervencionismo? "Não, ele é necessariamente responsável", ressalta Issam Younis, diretor do centro de direitos humanos Al-Mezan, "pois ele poderia impedir tal decisão". Younis diz acreditar que "Gaza está passando por um surto de islamização. Só que, para um movimento que está buscando ganhar legitimidade, inclusive internacional, a decisão da Al-Aqsa é contraproducente".

Seria mais uma política experimental? O Hamas nunca foi realmente vitorioso em suas tentativas de impor uma islamização na Faixa de Gaza. É verdade que no centro da cidade o número de mulheres que usa o niqab (véu que só deixa transparecer os olhos) cresceu.

O Dr. Neamat Shaban Alwan reconhece isso, ao mesmo tempo em que garante que "isso não é imposto por ninguém, com exceção de alguns maridos". Outros exemplos mostram que, embora seja bem mais conservadora que na Cisjordânia, a sociedade de Gaza é capaz de se defender contra uma islamização forçada pelas correntes salafistas e parte dos membros do Hamas.

A polícia dos bons costumes parou de abordar casais para lhes pedir uma certidão de casamento e há locais semi-públicos onde mulheres se aventuram a fumar narguilé. Da mesma forma, não se deve exagerar na interpretação da decisão do Hamas de proibir mulheres de participar da maratona de Gaza, que levou a Agência de Auxílio aos Refugiados Palestinos da ONU (UNRWA) a cancelá-la.

"A maratona de 2012, da qual estrangeiras puderam participar usando short, pode ter chocado legitimamente parte da plateia. É também uma questão cultural", diz um oficial da ONU. Assim, a repressão do Hamas aparece mitigada: ela é exercida sem dó contra jornalistas que se aventuram no território político, mas um sinal de flexibilização é perceptível em outros domínios.

Majda el-Belbissy, uma das diretoras da Associação das Mulheres Criativas, concorda. Há dois anos, toda terça-feira, dezenas de mulheres protestam na praça do Soldado Desconhecido em prol da reconciliação palestina, de direitos humanos e das mulheres. E, de um tempo para cá, o Hamas tem deixado. "Não temos ambições políticas, então não representamos uma ameaça para o governo. Queremos elevar o nível de consciência cultural das mulheres, ajudá-las a se fortalecerem", diz Majda. "Nessa luta", ela diz, "o inimigo é o olhar dos homens".

Haron também diz que acredita nisso. Ela cita as reformas "feministas" do governo do Hamas, como a abertura três anos atrás de um abrigo para mulheres espancadas por seus maridos, e a decisão de confiar definitivamente às mulheres divorciadas a guarda de seus filhos. Ela pergunta: "Está vendo como nosso modelo islâmico é moderado?"

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