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terça-feira, 21 de maio de 2013

A guerra travada por "muitos Tsarnaev" no Daguestão

Tamerlan Tsarnaev

A mando das autoridades municipais de Khasavyurt, o homem esguio de 22 anos, um ex-guerrilheiro, participa de mais uma aparição pública, exibindo um ar culpado e penitente. Segundo contou, foi uma lavagem cerebral que o levou a pegar em armas contra o governo e "ir para a floresta" --e seu sincero desejo era esquecer tudo o que aconteceu.

Na maioria das vezes, pessoas como esse jovem, chamando Dzhabrail Altysultanov, não retornam vivas da floresta, reconheceu friamente o vice-prefeito de Khasavyurt, cidade próxima da fronteira tchetchena, enquanto uma garçonete lhe trazia um prato fumegante de carne assada. Se Altysultanov não tivesse se rendido, disse o vice-prefeito, "eles teriam que trazê-lo de volta em pedaços". O jovem baixou os olhos e se concentrou em seu prato.

A permanência de seis meses de Tamerlan Tsarnaev, suspeito do atentado à Maratona de Boston, no território russo do Daguestão no ano passado atraiu uma atenção incomum para a guerrilha que opera no norte do Cáucaso --e que tem sido mantida em fogo brando, mas constante. Segundo relatos, Tsarnaev seria um outsider que tentou penetrar --pelas bordas-- em um grupo de insurgentes que parecia ser muito diferente dos grupos que povoavam as histórias de guerrilheiros que ele ouvira enquanto crescia entre os refugiados tchetchenos.

Os investigadores estão fazendo pressão para tentar entender melhor o que Tsarnaev estava procurando quando viajou para o Daguestão. Mas o que ele encontrou foi a sombra de uma guerra que vem ocorrendo às margens da vida normal dos habitantes locais --uma guerra escondida, mas que fica à vista de todos.

Jovens desaparecem de suas casas, apenas para reaparecer nas listas de mortos após truculentas operações de contraterrorismo. Apesar de o número de combatentes das guerrilhas provavelmente não ser superior a algumas centenas, segundo afirmam policiais, eles recebem suporte de uma rede de apoio ampla e invisível --milhares de pessoas comuns, até mesmo policiais, que os ajudam por medo ou identificação com a causa. Essa sociedade está envolvida em um cabo-de-guerra interno na tentativa segurar os jovens que resvalam facilmente para as fileiras dos insurgentes.

"Você quer falar sobre os Tsarnaev?", perguntou Saigidpasha Umakhanov, o poderoso e barrigudo prefeito desta cidade localizada na fronteira chechena. "Você sabe quantos Tsarnaev nós temos aqui?"

Umakhanov, treinador de luta greco-romana, sabe o quão próximo os combatentes dessa guerra estão.

As guerrilhas recrutam atletas, e cinco de seus melhores alunos entraram para um desses grupos e se tornaram comandantes insurgentes --ou "emires". Um de seus auxiliares foi obrigado a renunciar no ano passado depois de o filho dele ter sido acusado de ajudar um grupo armado. Os guerrilheiros vão a Khasavyurt atirar nos policiais da cidade --36 oficiais foram assassinados desde 2009-- ou para entregar pen drives com mensagens de vídeo nas caixas de correio de autoridades ou empresários locais, nas quais pedem dinheiro para que "Deus não os castigue por meio de nossas mãos".

Em outubro passado, alguém atacou o próprio prefeito. A bomba explodiu ao lado de sua comitiva, deixando para trás uma cratera de 3 metros de profundidade e 10 metros de largura.

O governo reagiu à sua moda. Em abril, veículos blindados de combate e soldados mascarados cercaram a aldeia de Gimry, um reduto islâmico situado nas montanhas e que combate o governo russo, e ordenou que mulheres e crianças evacuassem o local. As tropas bombardearam um desfiladeiro vizinho e, em seguida, usaram cordas para rebocar os corpos de três supostos militantes. Quando os moradores foram autorizados a retornar à aldeia, uma semana depois da ação, muitas casas tinham sido saqueadas e algumas haviam sido reduzidas a escombros.

No Daguestão, que tem uma população de aproximadamente 2,9 milhões de habitantes, cerca de 350 pessoas foram mortas em combate nessa região em 2012, das quais dois terços eram militantes e, um terço, policiais, de acordo com a agência de notícias Caucasian Knot. A mensagem das autoridades é clara: quando um jovem participa de algum ataque, ele provavelmente não viverá por muito tempo.

"Eles (os militantes) não podem voltar. Não há caminho de volta", disse Umakhanov. "Esse é o problema".

É nesse cenário que Altysultanov está tentando encontrar o seu caminho "de volta da floresta", como eles dizem por aqui.

Sentado diante de um banquete, mas aparentemente nervoso demais para comer, ele contou a história de como ele e outros atletas de sua academia foram influenciados por Rustam Khamanayev, um carismático atleta mais velho que se autodenomina "emir do Aukhovsky jamaat". Um dia, pediram que eles fossem até um armazém abandonado e trocassem suas roupas de treino por uniformes camuflados. Então, eles receberam armas automáticas e subiram na parte de trás de uma van cujo destino era um acampamento.

"Eu posso dizer que eu tinha a fantasia de segurar uma arma na mão", disse com voz suave Altysultanov. "Pois Khamanayev disse, e eu acreditei, que os muçulmanos devem viver em um país regido pela sharia [a lei islâmica]. Esse era o objetivo." O emir exigia demonstrações elaboradas de respeito. Os lutadores não podiam virar as costas para ele.

Altysultanov disse que começou a sentir falta de sua família. Foi um momento muito difícil, disse ele. "Só de pensar sobre o que aconteceu eu já fico chateado".

O esforço do Daguestão para reabilitar os guerrilheiros foi um experimento realizado à época em que Dmitri Medvedev, então presidente da Rússia e atual primeiro-ministro, estava testando abordagens menos agressivas para tentar acabar com a violência interminável observada no Cáucaso.

Analistas apontaram problemas nessa iniciativa --por exemplo, a exigência humilhante de que cada homem confessasse seus erros e condenasse a revolta diante das câmeras de TV para reforçar a propaganda governamental. Policiais resistiram em participar do programa por considerarem as punições adotadas excessivamente brandas e questionaram se os homens que se renderam realmente tinham se arrependido, segundo um relatório do International Crisis Group.

Mas o obstáculo mais sério ao programa foi o fato de que os jovens não confiavam que a polícia iria garantir sua segurança, disse Sapiyat Magomedova, advogada de Khasavyurt que representa pessoas acusadas de ajudar os insurgentes. Ela olha as fotografias de clientes seus que foram espancados enquanto estavam sob custódia da polícia. Segundo ela, os maus-tratos ocorrem quando os policiais tentam arrancar confissões ou propinas. Ela mesma foi espancada até ficar inconsciente em uma delegacia de polícia em 2010, quando estava tentando obter acesso a um cliente.

"Quem é que está empurrando esses jovens para a floresta? Quem?", perguntou ela. "São esses mesmos policiais. A violência deles fez com que essas pessoas fossem para a floresta --o que esses policiais fazem com os familiares dessas pessoas, o fato de eles os torturarem, de zombarem deles. Eles ficam com raiva e vão para a floresta."

"A população não sabe a quem temer", acrescentou. "Se a polícia ou os guerrilheiros".

Em Khasavyurt, alguns pais e mães têm tentado preencher essa lacuna deixada pela polícia, caminhando pelas florestas à noite para procurar seus filhos e alertando que a abordagem linha-dura do governo está empurrando os jovens ainda mais para as profundezas da clandestinidade.

Sete homens deixaram um bando armado no ano passado, incluindo Altysultanov, que havia desaparecido de sua casa três meses antes. Em uma aparição pública, os sete pediram desculpas e tentaram, de maneira hesitante, explicar suas razões para entrar para a guerrilha: o desemprego e a incapacidade de pagar propinas para estudar. Um deles disse que foi levado a acreditar que iria direto para o céu caso morresse em nome do islã.

Atualmente, Altysultanov trabalha na empresa de construção de seu tio. "Ele é meu emir agora", disse ele, com um sorriso amarelo.

É impossível saber, olhando para ele e para o vice-prefeito, o quanto realmente foi perdoado e o quanto foi esquecido de toda essa história.

Quando ele encontra outros homens que passaram um tempo com ele na unidade de guerrilha, eles não falam sobre o que fizeram juntos. Eles estão certos de se envergonhar, disse Khaibulla Umarov, assessora do prefeito para a área de segurança social e ideologia.

"Eles querem apagar isso de suas vidas", disse Umarov. "Esses três meses vão persegui-los para o resto de seus dias. No futuro, seus filhos estarão brincando no parquinho e outras crianças vão lhes dizer: 'seu pai era um dos que iam para a floresta'."

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