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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Atmeh: A "Disney Síria" dos jihadistas

Os radicais islâmicos estrangeiros que têm viajado para a Síria estão se reunindo no norte do país, uma região relativamente calma. Mas muitos deles têm considerado as cidades de trânsito --onde há boa comida, jogos de videogame e cigarros-- preferíveis ao front de batalha. E, quando esses radicais chegam a lutar, muitas vezes os combates se dão uns contra os outros.

A localidade de Atmeh parece o set de filmagem de um longa sobre a Al Qaeda. Lá é possível ver os recém-chegados arrastando suas malas com rodinhas em busca de seus emires. Também há africanos e asiáticos, que podem ser vistos pelas ruas do vilarejo, além dos homens de cabelo comprido vestidos com as tradicionais roupas afegãs caminhando e empunhando seus fuzis AK-47. Há os clientes da barraquinha de kebab local, cujo dialeto do norte da Inglaterra é salpicado por palavras e frases em árabe. "Subhan'Allah, eu pedi ketchup", diz um homem. Entre as muitas línguas ouvidas na rua estão o russo, o azerbaijano e o árabe, que é falado com um sotaque gutural da Arábia Saudita.

O povoado, um outrora sonolento abrigo de contrabandistas situado na fronteira com a Turquia, tornou-se uma meca para turistas da jihad de todo o mundo. Um ano atrás, jornalistas da Spiegel estiveram em Atmeh e se encontraram com um dos primeiros combatentes estrangeiros a desembarcar na Síria, um jovem iraquiano que disse que tinha ido ao país com o intuito de derrubar a ditadura.

Nesse meio tempo, mais de mil jihadistas que têm permanecido em Atmeh e em seu entorno transformaram o vilarejo na mais densa aglomeração de jihadistas de toda a Síria. Ironicamente, enquanto a guerra segue no restante do país, os jihadistas estrangeiros transformaram um dos locais mais tranquilos da Síria em sua base. Ou, talvez, eles tenham escolhido Atmeh precisamente devido ao fato de a localidade ser tão tranquila. Após chegaram a Atmeh, muitos se mostram relutantes em deixar o vilarejo.

A rede de telefonia celular turca oferece um bom sinal em Atmeh, e as lojas comercializam chapéus de lã pakol, típicos do Afeganistão, bonés da Al Qaeda e camisas pretas na altura do joelho confeccionadas com o mesmo material grosseiro usado nas regiões tribais do Paquistão. Novos restaurantes surgiram no vilarejo e uma empresa batizada de Contatos Internacionais faz reservas de voos e atua como casa de câmbio, comprando riais sauditas, libras esterlinas, euros e dólares e vendendo a moeda local. A farmácia local vende miswak, espécie de escova de dente produzida no Paquistão com fibras de madeira e com a qual o profeta Maomé supostamente escovava os dentes. O rótulo da embalagem do produto promete que a utilização do miswak multiplica por 70 vezes a eficácia das orações realizadas subsequentemente à "escovação".

O jihadista sempre tem razão
A terceira lan house de Atmeh foi inaugurada em meados de junho passado para acomodar os muitos jihadistas que desejam se comunicar --por meio de ligações telefônicas, e-mail ou programas de bate-papo-- com parentes e amigos que ficaram em seus países de origem. Isso levou o proprietário da primeira lan house do vilarejo a pendurar bandeiras da Al Qaeda em cima dos computadores de seu estabelecimento como um sinal de lealdade a seus clientes.

Apesar da crescente concorrência, a medida melhorou o movimento. Os clientes fortemente armados usam o Skype para contar aos amigos que ficaram em casa sobre o paraíso que é Atmeh. Segundo os jihadistas, os aluguéis são baratos, o clima e a comida são bons, eles podem caminhar livremente com suas armas e, com um pouco de sorte, podem até arrumar um casamento. À noite, o barulho de vários jihadistas jogando Counter-Strike em suas casas vaza para as ruas, em uma cacofonia de sons de guerra produzidos pelo famosos videogame. Em Atmeh, a guerra santa é uma espécie de espetáculo teatral do qual todos podem fazer parte --e o melhor: sem sofrer nenhum tipo de ferimento. Em agosto passado, um restaurante especializado em vários pratos nacionais cujo público-alvo são os jihadistas internacionais foi inaugurado em Atmeh. O Falafito tem comida koshari para os egípcios, falafel para os sauditas e frango tikka para os paquistaneses, só para listar algumas das opções do cardápio.

Até mesmo os empresários locais estão satisfeitos com sua clientela de fanáticos. "Um homem do Daguestão vem à nossa loja quase toda semana. Primeiro, ele comprou um Samsung Galaxy. Uma semana depois, voltou e comprou um iPad e, em seguida, comprou um modelo mais recente do Samsung Galaxy. Ele deve ter gastado mais de US$ 1.000 aqui", disse o vendedor sírio de uma loja de celulares.

Mas, afinal de contas, 'por que é que os estrangeiros estão em Atmeh?', pergunta um exasperado comandante local do Exército Livre da Síria. "Se eles vieram para cá para lutar, então o front fica daquele lado ali", diz o comandante, apontando para o leste.

Na verdade, Atmeh é um local de trânsito para os jihadistas, que geralmente desembarcam no aeroporto turco de Hatay, localizado nas proximidades do vilarejo. Alguns permanecem na região, enquanto outros seguem até Aleppo, para as montanhas de Latakia, para Rakka, no leste, ou para onde quer que o front de batalha esteja localizado.

Alguns rebeldes sírios se juntam aos jihadistas, mas muitos acham os estrangeiros sinistros. E mesmo quando os forasteiros se apresentam para combater as tropas do regime sírio, os comandantes do exército livre não compreendem porque comandantes como Abu Omar al-Shishani, da Tchetchênia, não têm usado a munição e os mísseis anti-aéreos que obtiveram. Na verdade, os comandantes do FSA temem que os jihadistas possam usar suas armas contra os rebeldes sírios ou até mesmo para realizar ataques terroristas em outras partes do mundo.

"Não temos recursos para um segundo front"
"Nós esperamos que os jihadistas vão embora depois que [o presidente sírio, Bashar] Assad for derrubado", diz Hassan Hamada, ex-coronel da força aérea da Síria que ganhou as manchetes um ano atrás, após ter desertado para a Jordânia com seu MiG-21. Atualmente, Hamada é membro da liderança do FSA no norte da Síria. "Por enquanto, nós não temos recursos para manter um segundo front", diz ele.

Dessa forma, por enquanto os combatentes jihadistas e seculares ainda coexistem e estão lutando lado a lado. Em Atmeh, as lojas comercializam CDs de música e as mulheres ainda usam calças compridas nas ruas. Isso ocorre porque não existe um vácuo de poder em Atmeh, como aquele que havia no Iraque em 2003. Em vez disso, há uma complicada estrutura formada por conselhos locais, brigadas do FSA e islâmicos moderados que os radicais precisam aceitar e com quem eles precisam aprender a conviver.

Quando os combatentes estrangeiros são questionados sobre seus planos, eles só mencionam a Síria como uma etapa de sua jornada. "Primeiro, temos essa jihad síria para lutar até que alcancemos a vitória! Em seguida, vamos libertar o Iraque, o Líbano e a Palestina", diz um jovem árabe do Reino Unido. Israel já não é de suma importância para esses radicais agora que os xiitas são vistos como os verdadeiros inimigos. Embora os xiitas também sejam muçulmanos, os radicais sunitas acreditam que eles são piores do que qualquer infiel.

Esse é o tipo de coisa que os jihadistas estrangeiros andam dizendo em Atmeh. Mas a influência deles já está desaparecendo em Daret Azzeh, cidade localizada a 25 quilômetros de Atmeh e onde o FSA frustrou os esforços dos jihadistas para assumir o poder no município. Atualmente, os dois grupos trabalham em turnos alternados nos postos de controle de fronteira. Mas quando a câmara municipal local pediu ajuda para reparar uma tubulação de água, os jihadistas apenas deram de ombros. "Eles querem controlar metade do mundo", diz Ahmed Rashid, advogado e membro da câmara da cidade, "mas eles fracassariam até mesmo se tentassem tomar o controle de uma cidade pequena".

Grupos sem liderança sólida
Enquanto isso, em Atmeh, os jihadistas têm adotado o mesmo estilo de vida que existia nos dias do profeta --só que eles contam com amenidades como o Facebook e o videogame Counter-Strike. Embora não seja algo intencional, a cena lembra os primeiros dias do Islã, logo depois da morte do profeta, quando três dos quatro primeiros califas se engalfinharam com rivais de seu próprio grupo. Todos os radicais que estão em Atmeh querem a implantação de uma teocracia, mas isso não impede que grupos individuais constantemente difamem uns aos outros, tornem-se rivais e, ocasionalmente, iniciem brigas.

Em meados de junho passado, havia pelo menos cinco grupos jihadistas dentro de Atmeh e nos arredores do vilarejo: O Dawla al-Islamiyya fi al-Iraq wa bilad al-Sham (Estado Islâmico do Iraque e do Oriente), um grupo crescente com mais de 200 seguidores; o Jaish al-Muhajireen wal-Ansar (Exército dos Emigrantes e Auxiliares), com cerca de 170 combatentes; o Abu al-Banat, um grupo formado por aproximadamente 70 homens, batizado em homenagem a seu emir e formado quase que exclusivamente por chechenos, dagestanis e azerbaijanos --os membros do Abu al-Banat estão diminuindo; o Abu Musab al-Jazairi, batizado em homenagem a seu fundador e financiador argelino e que conta com cerca de 60 membros do Jabat al-Nusra (Frente de Defesa) --no total, o Abu Musab al-Jazairi possui cerca de 100 combatentes; e o o Al-Nusra, o mais sombrio dos grupos, que está em processo de desintegração, pelo menos na província de Idlib, agora que seu líder, Abu Mohammed al-Golani, que nunca apareceu em público, jurou lealdade ao líder da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, em abril deste ano.

A população comum da Síria tem Zawahiri em baixa conta por vários motivos. O egípcio não é visto como especialmente carismático e, apesar de ter conseguido ser nomeado como sucessor do ex-líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, a partir de seu esconderijo na região de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, ele não conseguiu unir o conglomerado terrorista, permitindo que novos grupos crescessem a partir de sua periferia.

Além disso, os jihadistas peregrinos querem ter um líder que dê as ordens. Eles desejam um emir de carne e osso, alguém que emita comandos e forneça vereditos em pessoa. Mas o Al-Nusra não tem um emir nesses moldes. Mesmo em seus próprios vídeos de propaganda, tudo o que se vê de Abu Mohammed al-Golani é uma figura com uma voz metálica e distorcida e um rosto indefinível composto por pixels. Os membros do Al-Nusra costumam dizer que conhecem alguém que conhece alguém que conheceu o emir, mas que, após um exame mais detalhado, as histórias deles muitas vezes não podem ser comprovadas. Vários ex-membros do Al-Nusra de Aleppo, Idlib e Damasco disseram nos últimos meses que ninguém jamais viu ou falou com Abu Mohammed al-Golani.

Além disso, segundo um sírio que deixou o Al-Nusra para se juntar ao Dawla, este segundo grupo é bem "mais legal". De acordo com ele, no Dawla os membros podem fumar desde que ninguém esteja vendo. Essa é uma importante vantagem competitiva entre a comunidade rebelde, que conta com muitos fumantes inveterados. Os cigarros geralmente são considerados tabu entre os jihadistas, pois "fumar afasta os anjos e o atrasa a nossa vitória", diz o ex-membro do Al-Nusra citando seu ex-emir local.

Levando o extremismo longe demais
Apesar de muitos dos membros sírios do Al-Nusra terem sido atraídos para grupos mais moderados, os estrangeiros se juntaram ao Dawla, que se tornou o grupo mais forte no norte da Síria.

Mas o emir mais radical da região norte do país tem sido Abu al-Banat, um ex-oficial russo da república do Daguestão, localizada no Cáucaso, que se converteu ao islamismo e vem reunindo simpatizantes-discípulos desde então. Apesar de falar mal o árabe, ele declarou sumariamente que o Al-Nusra e os outros grupos jihadistas são "kafirs", ou infiéis, pois eles se recusam a se submeter ao seu comando.

Na primavera passada, Abu al-Banat, autoproclamado emir de Atmeh, se dirigiu com seus simpatizantes até a aldeia de Mashhad Ruhin, a nove quilômetros de distância. Em seguida, ele cercou a localidade com guardas armados e transformou o vilarejo em seu emirado pessoal.

Al-Banat decapitou três homens na praça de Mashhad Ruhin em abril passado. Em um vídeo que registrou a execução brutal, divulgado online no verão passado, um homem descabelado cercado por uma multidão boquiaberta, incluindo crianças, discursou para a câmera em um árabe ruim. O homem era Abu al-Banat. Três homens amarrados se encolheram no chão ao lado dele. Um assistente de Al-Banat cortou lentamente a cabeça de um dos homens amarrados e, em seguida, passou para o segundo homem. Então, Al-Banat segurou a cabeça decepada diante da câmera, como um troféu.

Curiosamente, o vídeo, que foi divulgado recentemente, apareceu pela primeira vez no Síria Tube. O site de relações públicas do regime sírio afirmou que as vítimas da decapitação eram três sacerdotes cristãos que foram mortos no final de junho passado na cidade de Rassania. A história foi prontamente divulgada pela agência de notícias católica Agenzia Fides, que costuma divulgar notícias tenebrosas e mentirosas.

Na realidade, o que o vídeo mostra é o assassinato de supostos homens leais a Assad no acampamento de Al-Banat em abril passado, apesar de ainda não ter ficado claro quem eram os três homens nem quais crimes eles teriam cometido. Como um ex-membro do grupo de Al-Banat relembra, ele "era, ao mesmo tempo, juiz e acusador em uma única figura". Os moradores do vilarejo ficaram horrorizados, diz um homem de uma cidade vizinha. "Não importa o que aqueles três homens fizeram. Pessoas não são ovelhas para serem abatidas como se estivessem em um matadouro". As execuções desencadearam um êxodo no local, que fez com que apenas cerca de 70 simpatizantes ficassem para trás.

Aparentemente, outros jihadistas foram unânimes em concordar que as decapitações tinham ido longe demais, e na noite de 28 de junho passado ocorreu um raro exemplo de colaboração. Um comandante checheno do Dawla e um grupo de homens fortemente armados invadiram Mashhad Ruhin e declararam o fim do reinado de terror de Al-Banat. Seus partidários restantes se renderam sem resistência e Al-Banat e dois assessores foram levados. Durante o ataque, todas as rotas de acesso ao vilarejo foram bloqueadas pelos postos de controle de fronteira do FSA para evitar que outros jihadistas de viessem ajudar o emir – mas ninguém apareceu.

Sem uma liderança, os membros remanescentes do grupo jihadista de Al-Banat supostamente fizeram as malas nos dias que se seguiram ao ataque e deixaram a aldeia.

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