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quarta-feira, 21 de maio de 2014

Espanha libertou dois espiões para a França entregar membros da ETA

O governo do ex-premiê José María Aznar conseguiu que a Justiça do país libertasse dois agentes secretos franceses, detidos em abril de 2002 em Manresa com armas de guerra, quando supostamente preparavam um assassinato. Sua libertação, em outubro desse mesmo ano, permitiu que a França continuasse colaborando na luta contra a ETA e entregasse "etarras", segundo afirma um dos três magistrados que ordenaram a liberdade provisória na época. "Veio amarrado do Ministério do Interior e da Procuradoria Geral do Estado. Não pudemos fazer nada para evitar sua libertação", afirma o juiz.

A França recuperou dois de seus agentes secretos presos havia dez anos por uma ordem de busca e captura emitida pela justiça espanhola depois de ser detidos em Manresa durante uma missão delicada, nunca esclarecida. A Audiência Provincial de Barcelona acaba de declarar extintos por prescrição os delitos contra os agentes franceses Christian Piazzole e Rachid Chaouati, que em 2004 foram julgados à revelia depois que não compareceram ao julgamento no qual se pediu para ambos uma pena de sete anos de prisão por porte de armas de guerra. Com eles foi apreendido um rifle de fabricação artesanal que haviam escondido em um cano.

Piazzole – que usava documentação falsa – e seu ajudante Rachid já podem cruzar as fronteiras sem temor de serem capturados. Depois de sua detenção e ingresso em prisão, o general francês Philippe Rondot, ex-chefe dos serviços secretos franceses, pediu ao então procurador-chefe de Barcelona, José María Mena, que pedisse à Audiência Provincial sua liberdade provisória sob a promessa de que compareceriam ao julgamento em fevereiro de 2004. Os agentes não cumpriram o acordo.

Uma década depois, a Audiência de Barcelona, depois de um relatório favorável da promotoria, concordou em prescrever os crimes, arquivar a causa e suspender a ordem de busca e captura contra ambos em um auto dos juízes Elena Guindulain, José María Assalit e Enrique Rovira.

A França evitou cumprir a ordem apagando-a de seus arquivos e deslocando seus espiões. De nenhum lado da fronteira houve sugestões para a busca dos fugitivos condenados à revelia pelos juízes espanhóis. Ao contrário, altos funcionários de ambos os países se interessaram pelo caso para que os espiões recuperassem sua mobilidade. "Passaram dez anos hibernando", afirma uma fonte próxima dos serviços secretos franceses.

Depois da visita do general Rondot a Barcelona, o pedido de liberdade provisória do promotor Mena foi transferido para os juízes da 5ª Seção da Audiência Provisória de Barcelona – a mesma que hoje arquiva o caso – Elena Guindulain, Augusto Morales e José María Assalit, que, "diante da solicitação fundada" do procurador-chefe, ordenaram a libertação.

Agora, um dos magistrados que ditou sua liberdade e que pede que seu nome seja omitido, revela como viveram o caso e dá pistas desconhecidas: "Foi um tema político que foi resolvido politicamente em Madri. A França entregava muitos etarras e não era preciso incomodar as autoridades francesas. O promotor Mena recebeu uma ordem do procurador-geral do Estado Jesús Cardenal e teve que cumpri-la. Mena nos pediu de palavra e lhe pedimos que o pusesse por escrito porque de palavra não íamos atendê-lo. Senão, os responsáveis seríamos nós, os juízes. O tribunal fez a única coisa que podia. Estávamos amarrados".

E continua assim: "Nem sequer Mena teve capacidade de decidir livremente. Se tivesse negado, teria tido que deixar o caso, o haveriam demitido. Não o censuro. Mena nunca teve um papel por escrito. Cardeal o chamou – o então procurador-geral – e lhe disse o que devia fazer. O Ministério Público é tão hierárquico quanto o exército; 90% dos promotores obedecem. Ninguém quer arriscar o cargo. Resolveu-se com critérios políticos, e não penais. Essas coisas acontecem com frequência em nosso país".

O juiz que concedeu a libertação dos espiões franceses lembra que a Audiência de Barcelona havia se negado a soltá-los quando foi solicitado pelos advogados de Piazzole e Chaouati, porque o promotor Ramón Menach, de Manresa, onde o caso foi instruído, informava sempre contra. "A decisão de Mena de pedir sua liberdade foi um erro. Aqui há algo que nos escapa aos que interviemos em nível judicial. Enganaram a todos nós", diz esse promotor. Ramón Landa, o juiz instrutor, acrescenta que "vendo o que aconteceu, está claro que houve pressões políticas".

Segundo o magistrado que ditou sua libertação, a intervenção do procurador-geral mudou tudo. "Eram crimes muito graves. Mena sabia que era uma decisão do procurador-geral do Estado e do governo. As explicações que dão se complementam. Se o fiscal pede a liberdade provisória, nós temos que colocá-los em liberdade porque não havia vítimas. Sem acusação não podíamos mantê-los na prisão". Cardenal, de 85 anos, consultado em 2009 sobre o caso, afirmou que não se lembrava dele. Mariano Rajoy, que era ministro do Interior na época, respondeu o mesmo.

A história de uma suposta tentativa de assassinato frustrada termina como começou há uma década: com uma paródia para evitar que esses dois homens vão para a prisão depois que a polícia catalã deteve Chaouati em um controle policial em Manresa e descobriram que escondia no porta-malas de seu carro – um Audi 80 – um tubo de PVC no qual descansava um rifle monotiro de fabricação artesanal, com silenciador e mira telescópica a laser. "Eu vi aquela estranha arma, capaz de matar a um quilômetro de distância. A suspeita razoável é que vinham para matar", lembrou Mena, o ex-procurador-chefe de Barcelona há um ano. Agora, consultado de novo, não quer opinar.

"Quando o general Rondot veio a Barcelona, já estava tudo pactuado. Veio recolher seus homens, e não para passear. Eram outros tempos, a ETA estava viva e a Espanha tinha que ficar bem com a França. É assim que vemos, os juízes deste caso. É claro que esses homens não vinham para nada bom, isso é evidente", afirma o magistrado que os libertou.

O general Rondot visitou Mena junto com o tenente-coronel da Guarda Civil Ángel Gozalo, e afirmou que seus homens faziam práticas. Por outro lado, em sua agenda descreveu o caso como uma Operação Alpha, um assassinato seletivo segundo a terminologia dos espiões franceses.

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