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quarta-feira, 14 de maio de 2014

Polícia de Nova York recruta muçulmanos como informantes

Um homem que era vendedor ambulante no Afeganistão, preso durante uma discussão com um fiscal de estacionamento por causa de uma multa. Outro que era motorista de limusine nascido no Egito, pego por envolvimento em prostituição. Um terceiro que era estudante de contabilidade no Paquistão, sob custódia por dirigir sem carteira de motorista válida.

Os homens, todos imigrantes muçulmanos, passaram por provações semelhantes: aguardando em uma cela em Nova York, esperando serem indiciados, apenas para serem puxados de lado e interrogados por detetives. As perguntas não eram ligadas às acusações contra eles, mas que mesquitas frequentavam e quais eram seus hábitos de oração. No final, os detetives foram direto ao assunto: eles gostariam de trabalhar para a polícia, vigiando cafés e restaurantes muçulmanos ou mesquitas?

Começando poucos anos após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2011, um esquadrão de detetives conhecido como Equipe Municipal de Debriefing percorre as cadeias da cidade à procura de imigrantes --predominantemente muçulmanos-- que possam ser persuadidos a se tornarem informantes da polícia, segundo documentos obtidos pelo "The New York Times" e entrevistas com ex-membros da unidade e autoridades policiais.

No mês passado, o Departamento de Polícia anunciou que desativaria uma controversa unidade de vigilância, que colocava detetives à paisana nas comunidades muçulmanas para ouvir as conversas e formar arquivos detalhados sobre onde as pessoas comiam, oravam e faziam suas compras. Mas a continuidade do trabalho da equipe mostra que o departamento não recuou de outras iniciativas de contraterrorismo que criou nos anos após o 11 de Setembro.

No primeiro trimestre do ano, segundo a polícia, a equipe realizou 220 entrevistas.

O "Times" revisou duas dúzias de relatórios gerados pela equipe de Debriefing no início de 2009. Somados, os documentos e entrevistas revelam uma visão de como o esquadrão atua, funcionando como recrutador para a Divisão de Inteligência, o braço do departamento que é dedicado a desbaratar tramas terroristas. Mas eles também mostram que a missão de contraterrorismo da divisão atravessa de algumas formas, potencialmente desconfortáveis, com o trabalho tradicional do departamento de combate ao crime.

Eles mostram que a religião se transformou em um assunto normal do inquérito policial nas celas da cidade. Alguns relatórios escritos pelos detetives após as sessões de interrogatório apontam se o prisioneiro frequenta alguma mesquita, celebra feriados muçulmanos ou já fez peregrinação a Meca. O relatório sobre o vendedor ambulante descreveu a localização da mesquita dele em Queens e notou que os fiéis eram uma "mistura de afegãos, persas (iranianos) e paquistaneses". O motorista de limusine egípcio disse que se considera "um muçulmano sunita", mas "não frequenta uma mesquita há um bom tempo", segundo o relatório.

Interrogando prisioneiros
Os detetives há muito empregam informantes, incluindo viciados em drogas e figuras do submundo. Mas geralmente é pedido aos informantes que forneçam informação sobre crimes dos quais têm conhecimento ou outros criminosos que são conhecidos deles. Em comparação, a Equipe Municipal de Debriefing busca recrutar muçulmanos independente do que saibam. Os policiais descreveram as entrevistas como voluntárias, mas vários imigrantes muçulmanos entrevistados contatados pelo "Times" disseram ter ficado abalados com os encontros.

John Miller, vice-comissário encarregado pela Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia, disse que a equipe de Debriefing surgiu da necessidade urgente do departamento, após o 11 de Setembro, de fontes de informação por toda a cidade, que pudessem ser de ajuda em contraterrorismo. Uma forma de preencher essa lacuna, ele disse, era procurar entre as centenas de milhares de pessoas presas pelo departamento a cada ano.

"Nós procurávamos por pessoas que pudessem nos fornecer uma visão do mundo do terrorismo", disse. "Você não consegue informação sem conversar com as pessoas."

A equipe de Debriefing, ele disse, apenas emprega uma antiga e comprovada técnica policial --interrogar presos a respeito do que possam saber sobre crimes locais-- e a aplica em contraterrorismo. "Ela passou por uma curva de aprendizado?" disse Miller, que antes liderava os esforços de contraterrorismo da polícia de Los Angeles, sob o comissário William J. Bratton. "Sim, mas também tem sido eficaz."

Um ex-tenente da Divisão de Inteligência, William McGroarty, que se aposentou no ano passado, descreveu a equipe como um "grande ativo" e disse que ela forneceu um "grande percentual" de informantes, que posteriormente foram distribuídos para outras unidades da Divisão de Inteligência.

A ampla vigilância de mesquitas e outras instituições cívicas e empresas muçulmanas pelo departamento provocou controvérsia, desde que a agência de notícias "The Associated Press" publicou os documentos detalhando o monitoramento em 2011. A "AP" mencionou a existência da equipe de Debriefing naquele ano, mas não entrou em detalhes sobre suas atividades. Pouco se sabia publicamente sobre como os detetives identificavam informantes potenciais e a natureza das entrevistas na cadeia.

Policiais descreveram as entrevistas pela equipe como "conversas", em vez de interrogatórios. Mas muitos dos entrevistados disseram que, como imigrantes muçulmanos em um mundo pós-11 de Setembro, eles sentiam que tinham pouca escolha, a não ser cooperar.

Redução das acusações
Bayjan Abrahimi, o vendedor ambulante do Afeganistão, esperava ser solto rapidamente após sua detenção em março de 2009, por causa de uma disputa em torno de uma multa de estacionamento. Mas três detetives vieram entrevistá-lo na cadeia no Harlem onde estava detido.

Eles queriam saber "sobre a Al Qaeda, você conhece essas pessoas?" lembrou Abrahimi, 31 anos, que também trabalha como DJ em casamentos afegãos no Queens.

Abrahimi jurou não saber de nada, mas as perguntas prosseguiram. Os detetives perguntaram sobre a mesquita que ele frequentava e as nacionalidades dos outros muçulmanos que oravam lá. Eles queriam saber sobre o irmão dele, um taxista em Mazar-i-Sharif, no leste do Afeganistão. No final, eles fizeram uma proposta: ele estaria disposto a visitar mesquitas na cidade e obter informação, talvez até mesmo viajar ao Afeganistão?

"Eu disse, 'OK, OK, OK, porque quero que isto termine", disse Abrahimi. "Naquele momento, eu estava realmente assustado."

O relatório dos detetives sobre Abrahimi dá ideia de quão longe eles reviraram sua vida pessoal, notando que o pai de Abrahimi morreu na luta contra os russos no Afeganistão e que Abrahimi agora vivia com sua mãe e um irmão no setor Flushing do Queens. Ele passa seu "tempo livre na biblioteca, lendo e aprendendo inglês", segundo o relatório.

Os detetives também anotaram que Abrahimi concordou em fornecer o número de telefone no exterior do irmão taxista. "O indivíduo acredita que outros parentes ajudariam se lhes fosse pedido", declarou o relatório. Abrahimi estava disposto, se o Departamento de Polícia requisitasse, a "atender cerimônias em outros locais e viajar", segundo o relatório, que concluiu endossando Abrahimi como "adequado para tarefas locais e fora da cidade", o descrevendo como mostrando "alto potencial para ser usado como ativo".

Após sua soltura da cadeia --Abrahimi não tem certeza, mas disse acreditar que as acusações contra ele foram simplesmente retiradas-- ele nunca mais teve notícia dos detetives. Em uma entrevista recente, ele disse que continua perturbado pelo episódio de 2009, estremecendo só de lembrar.

Moro Said, o motorista de limusine nascido no Egito, preso por acusações de prostituição, forneceu um relato semelhante do que aconteceu com ele um mês antes de Abrahimi ter sido detido. Said, 57 anos, disse que estava dirigindo em Flushing quando encostou porque achou que uma mulher queria orientações. A mulher era uma policial disfarçada e Said foi para uma central de detenção no Queens.

Said esperava ser levado perante um juiz quando os policiais foram buscá-lo na cela. Mas ele acabou em uma sala pequena, onde um policial ofereceu a possibilidade do caso ser esquecido.

"Se você puder nos ajudar, vai ficar tudo bem", Said lembrou que o homem disse. Quando Said perguntou o que ele queria em troca, "ele disse: 'Apenas vá até a mesquita e o café e nos diga se alguém estiver conversando sobre algo suspeito'".

Said disse ter considerado uma forma de coerção pedir para que ele se tornasse um informante enquanto estava sob custódia. Enquanto ele aguardava, Said disse que um preso afegão também foi levado e entrevistado pelo mesmo investigador.

"É impróprio", disse Said. "Eles estão pescando. Você está com problemas com a lei e eles são a lei." Ele disse que ao concordar em fazer o que o investigador lhe pediu, ele estava simplesmente tentando aplacar a polícia, "porque estou em uma situação em que eles podem torná-la maior, acredite, eles podem torná-la maior". Ele disse que quando o detetive lhe telefonou uma semana depois para marcar um encontro, ele se recusou e desligou o telefone.

"Eu não quero espiar ninguém", disse Said em uma entrevista por telefone. "Eu odeio espionagem."

'Sessões não coercivas'
Miller descreveu as entrevistas como "sessões não coercivas, onde as pessoas tinham a possibilidade de dizer não a qualquer momento". A meta não era realizar um interrogatório, mas sim começar uma conversa e desenvolver um relacionamento, ele disse. Os investigadores foram treinados para permitir que o entrevistado conduzisse a conversa, ele disse, acrescentando que religião poderia vir à tona nesse contexto.

"Não é algo como se eles se sentassem e perguntassem, 'você é muçulmano, xiita ou sunita?'" disse Miller. "Isso é o tipo de coisa que surge na conversa."

A polícia credita à equipe de Debriefing, que data desde pelo menos 2004, por gerar uma série de casos e investigações importantes. A equipe foi fundamental, disse a polícia, na identificação de um informante que esteve posteriormente envolvido no caso contra Jose Pimentel, um homem de Manhattan que ficou fascinado pela militante muçulmano americano Anwar al-Awlaki, que posteriormente se declarou culpado em uma acusação por terrorismo. A polícia disse que a equipe de Debriefing também levou a informação sobre indivíduos fornecendo armas ao Taleban, assim como vistos fraudulentos para os Estados Unidos emitidos na Guiana.

Em 2007 e 2008, os 10 investigadores do esquadrão realizaram mais de 1.000 entrevistas, a maioria em cadeias e durante visitas às residências de pessoas em liberdade condicional, segundo documentos analisados pelo "Times". A polícia diz que o ritmo permanece o mesmo, assim como o tamanho da unidade. Um documento datado de 19 de novembro de 2008 nota que, em menos de dois anos, a equipe de Debriefing compartilhou os nomes de 171 pessoas que expressaram disposição de se tornarem informantes com outros esquadrões de detetives, incluindo o conhecido como Unidade de Interdição Terrorista.

McGroarty, o ex-tenente da Divisão de Inteligência, disse que quando os detetives precisam de um informante para uma investigação específica, eles pedem ajuda à equipe de Debriefing para encontrar uma pessoa adequada. Mas Bobby Hadid, um ex-sargento da unidade e ele próprio um imigrante muçulmano da Argélia, disse que foi ficando cada vez mais incomodado com o que ele e seus colegas estavam fazendo, particularmente ao fazer perguntas sobre a religião de muitos dos presos, que estavam detidos por pequenos delitos ou infrações.

"Nós somos detetives da Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia de Nova York", ele disse. "Nós estamos ali para coletar inteligência sobre atividade criminosa ou terrorismo. Por que estamos perguntando, 'Você é muçulmano? Que mesquita você frequenta?' O que isso tem a ver com terrorismo?"

Antes um investigador respeitado que trabalhou na Força-Tarefa Conjunta liderada pelo FBI até ser chamado para se juntar à Divisão de Inteligência, Hadid acabou sendo afastado da força após ser condenado por perjúrio em um caso não relacionado ao seu trabalho de contraterrorismo. A condenação, que ele está apelando, envolveu seu papel como tradutor em uma investigação de homicídio que o levou a ser enviado para a França.

Nem toda entrevista terminava com o preso concordando em se tornar informante. Um somali, um detetive notou em seu relatório, "deseja sair da prisão antes de tomar uma decisão".

Em entrevistas, outros homens disseram que concordaram em se tornar informantes para aplacar a polícia, mas tinham pouca intenção de fazê-lo. "Você concorda com os policiais e tenta resolver sua situação de qualquer forma possível", disse um homem, filho de imigrantes egípcios, que foi preso aos 19 anos pelo furto de uma caneta-tinteiro.

O homem, que insistiu no anonimato pelo assunto ser delicado, lembrou de ter ficado surpreso quando os detetives começaram a fazer perguntas sobre onde ele orava e outras "que não tinham nada a ver com o incidente".

Após ser solto do centro de detenção, o homem começou a receber chamadas de um detetive. Eles se encontraram em uma ocasião em um shopping center, e o detetive ofereceu pagar caso ele visitasse mesquitas diferentes e informasse à polícia "o que estava acontecendo".

Ele disse ter dito ao detetive que precisava se concentrar na faculdade e não podia se tornar informante. Quando o detetive ligou de novo, ele não atendeu.

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